Rio de Janeiro – Nos bastidores das grandes operações policiais no Rio, um helicóptero com uma câmera ultrapotente a bordo é peça-chave para flagrar a bandidagem em ação – até no escuro
A recente caçada a um dos bandidos mais poderosos na hierarquia do crime carioca, Márcio José Sabino Pereira – conhecido como “Matemático” pelo pendor financeiro -, durou quatro minutos e foi certeira. Já passava de 11 da noite quando os capangas do traficante perceberam o cerco ao Logan prata conduzido pelo chefe e iniciaram o tiroteio, de dentro e de fora do carro, em vão.
O marginal acabaria cravejado por duas balas vindas do alto, morrendo na hora. A peça-chave da operação pairava sobre os céus da Zona Oeste do Rio de Janeiro, acoplada a um helicóptero modelo Esquilo e apelidado de Águia 2: na parte de baixo, fica a câmera de 45 quilos e apenas 40 centímetros de largura que permitiu, a 3 000 pés de altitude (cerca de 1 quilômetro), enxergar com boa nitidez, apesar do breu, toda a movimentação de Matemático e seu bando. Até a placa do carro se podia discernir.
Equipamento usado em guerras pelo Exército dos EUA e na Colômbia contra os narcoterroristas
Na verdade, a operação começara seis meses antes. Dispondo desse equipamento, a polícia mapeou horários, hábitos e lugares frequentados e vigiados pela quadrilha, até partir para o ataque, naquele 11 de maio. Nos bastidores de todas as últimas operações de relevo da polícia do Rio, tal câmera estava em ação, discretamente, sendo muitas vezes decisiva para desmantelar o QG dos criminosos quando eles menos se davam conta, no meio da madrugada.
Amplamente usada em guerras pelo Exército americano, na Colômbia dos narcoterroristas das Farc e agora adotada no Rio com o aval do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, essa tecnologia permite a visualização de objetos e corpos no escuro de tão longe que não se ouve um único ruído do helicóptero até que ele se aproxime.
![Em meio à escuridão, a câmera capta de longe a movimentação de um bando de marginais, logo presos (Foto: Oscar Cabral)](http://www.resgateaeromedico.com.br/wp-content/uploads/2012/06/veja.jpg)
As cenas são flagradas pelos sensores da câmera, que captam os raios infravermelhos emitidos pelo calor de corpos e objetos e os transformam em imagens tridimensionais. As gradações de cinza em que aparecem as figuras variam conforme a temperatura dos corpos – quanto mais alta, maior a definição. Gente, arma de fogo e motor de carro, por exemplo, sobressaem.
“Voar alto é questão de sobrevivência”
O sistema, conhecido como Forward Looking Infrared (Flir) ou nos corredores da polícia apenas como “termal”, é parecido com o de câmeras do gênero empregadas por outras polícias no Brasil, mas um ponto fundamental o diferencia: na escuridão total, o alcance da Star Safire III, a câmera usada no Rio, é três vezes superior ao das demais e trinta vezes mais potente do que o olho humano.
“Em uma cidade onde helicóptero da polícia já foi até abatido pela bandidagem, voar alto é, antes de tudo, uma questão de sobrevivência”, diz o piloto Adonis Lopes de Oliveira, 49 anos, chefe do Serviço Aeropolicial (Saer) que coordena a equipe treinada para comandar o equipamento. “Lá de cima, é como se a cidade fosse um grande tabuleiro de videogame, em que se pode visualizar e acertar o alvo com mais inteligência e menos risco de erro”, conta.
Com as imagens obtidas pela câmera, o coordernador das operações policiais orienta a tropa em terra. O mesmo conjunto de imagens é transmitido por radiofrequência em tempo real a cinco bases da polícia. É um Big Brother da lei. Três antenas, além da do próprio helicóptero, dão cobertura a toda a cidade.
A polícia já tem 1.200 horas de gravação — já resgatou refém, recuperou armas…
Já são mais de 1 200 horas de gravação, um acervo que inclui de tudo um pouco sobre o submundo do crime carioca – da Cracolândia na Zona Norte à ação dos criminosos nas vielas e becos das favelas. Foi de uma dessas ilhas de transmissão que o secretário de Segurança José Mariano Beltrame assistiu ao passo a passo da ocupação policial na Rocinha, em uma madrugada de novembro passado.
Quatro dias antes, o Águia 2 cruzara os céus da favela rastreando esconderijos de armas em meio ao matagal. Essas foram recuperadas. Foi também graças à câmera que a polícia chegou a um cativeiro. Voando incólume já tarde da noite, o helicóptero acompanhou do alto um parente do sequestrado que levava o dinheiro ao bandido e ficou à espreita, sem emitir ruído, até o marginal aparecer. A partir dali, ele seria seguido, capturado e sua vítima, logo liberada.
Na visita de Barack Obama à cidade, em março de 2011, seus seguranças fizeram um sobrevoo preventivo, mapeando obstáculos e riscos ao longo do trajeto a ser percorrido pelo presidente americano.
Na Rio+20, a megaconferência ambiental que se inicia no próximo dia 13, o Águia 2 terá papel semelhante. Evidentemente, nenhum equipamento, por mais engenhoso que seja, conseguirá dar cabo sozinho das mazelas da segurança pública – inclusive no campo tecnológico, em que resta ainda muito que avançar no Rio -, mas já é uma grande ajuda.
Fonte: Revista VEJA / Reportagem de Leslie Leitão publicada na edição impressa de VEJA