JOÃO PAULO ZEITOUN MORALEZ
Jornalista e Editor da Hunter Press
Brasil – Por ser um país de dimensões continentais, a aviação de segurança pública no Brasil apresenta muitos contrastes influenciados por diferenças geográficas, as demandas operacionais e até a capacidade de investimento de cada governo estadual. Acompanhe uma análise e panorama deste setor.
O Brasil possui mais de 208 milhões de habitantes e 8,5 milhões de quilômetros quadrados de área onde a maior parte da população se concentra na faixa litorânea e nas regiões nordeste e sudeste. São 26 estados e um Distrito Federal com 5.570 municípios ao todo.
Cada um dos estados dispõe das suas forças de segurança pública compostas pelo Corpo de Bombeiros e as polícias civil (papel investigativo) e militar (policiamento ostensivo).
O governo federal também possui as suas instituições de segurança como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
A partir da década de 1970, quando a esfera federal do governo brasileiro era comandada por militares, o Estado do Rio de Janeiro foi pioneiro em operar helicópteros para a atividade aérea policial e de defesa civil. O serviço não perdurou por muito tempo e na década seguinte, em 1981, a Polícia Militar do Estado de Goiás operou os seus primeiros helicópteros para a missão de segurança pública. Da mesma maneira, essa atividade não durou por muito tempo.
Enfim, em 15 de agosto de 1984 o Estado de São Paulo adquiriu dois Helibras HB 350B Esquilo destinando cada exemplar para a Polícia Civil e Polícia Militar. “Foi a primeira inciativa que de fato conseguiu perdurar ao longo dos anos. E a aviação policial viveu várias fases, sendo a primeira delas foi permitir a sua própria existência. Isso porque naquele momento a aviação era algo restrito às Forças Armadas”, explica o Coronel PM da reserva Ricardo Gambaroni, com mais de 25 anos de experiência como piloto policial e tendo sido o Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
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De fato, haviam várias barreiras a serem rompidas. Em primeiro lugar, do próprio governo federal que estava resistente em autorizar que as polícias estaduais tivessem a sua própria aviação. E, internamente, nas próprias polícias, o helicóptero era visto como um meio caro de comprar e manter. “Era um momento de convencimento.
Em São Paulo o serviço perdurou por necessidade, por pessoas que souberam persistir, pelo modelo que foi criado e até mesmo pela imprensa que na época fez um trabalho de divulgação importante. Em meados da década de 1990 São Paulo então começou a descentralizar o serviço com o helicóptero da capital expandindo para o interior do estado para permitir que a população e a própria polícia como um todo tivesse acesso ao serviço aéreo”, completa o Coronel PM Gambaroni.
Consolidação e frota
A partir dos anos 2000 vários estados consolidaram os seus serviços aéreos sendo que atualmente apenas um não dispõe de aviação. São mais de 170 helicópteros em serviço. A grande maioria dos operadores seguiu o exemplo de São Paulo e padronizou a frota nos helicópteros Helibras HB 350 para as missões de combate ao crime, resgate aeromédico, combate a incêndio, entre outros.
Vários fatores determinaram a popularização da família Esquilo no Brasil, sendo que as principais foram o custo de aquisição e operação; o suporte com engenharia dedicada no país; por ser um helicóptero que desde o projeto já foi pensado com a característica de multimissão e devido a sua robustez. Em torno de 85% do mercado de segurança pública é composto pelo HB 350 Esquilo e as suas variantes. O restante é dividido com a Bell Helicopters, Leonardo e Robinson.
A padronização da frota facilitou o emprego dessas aeronaves em situações de calamidade pública em que exista a necessidade de apoio de helicópteros de vários estados do Brasil.
Em 2008, na maior operação de resgate conduzida no Brasil com o apoio de helicópteros, na região sul, houve casos de mecânicos trabalhando juntos para resolver problemas de manutenção ou limpeza dos comandos de voo das aeronaves já afetados pela lama que acumulava na parte interna do helicóptero.
Na tragédia de Brumadinho, uma cidade 60km distante de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, o Esquilo foi quase uma unanimidade ao longo das operações de resgate para buscar as vítimas soterradas por lama depois de uma barragem ter se rompido. Dos seis helicópteros de outros estados que integraram as missões de resgate, cinco eram HB 350 Esquilo e um Bell 407. Os esforços da própria aviação do estado de Minas Gerais foram praticamente baseados no HB 350 Esquilo.
“Apesar de ser um projeto da década de 1970 o Esquilo não é ultrapassado. O projeto foi modernizado e várias soluções foram agregadas. É um modelo que cumpre a maior parte das missões, sendo muito seguro e confiável. Hoje, vários órgãos estão buscando ou já possuem helicópteros biturbinas que são maiores, tem mais capacidade de carga sendo mais recomendados para missões específicas. Mas uma frota majoritariamente biturbina possui um custo de aquisição e, principalmente de operação, mais elevado”, explicou o Eduardo Beni, editor do site Resgate Aeromédico, Coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo e piloto no segmento da aviação segurança pública.
Beni ressaltou a importância da padronização da frota para se alcançar maior disponibilidade e menor custo de operação, diminuindo também a complexidade em termos de treinamentos, seguro e a complexidade da gestão da frota em si. “Hoje existe uma tendência dos órgãos de segurança pública na aquisição de helicópteros biturbina, mas é preciso analisar cada situação e operação para que seja encontrado um modelo ideal”.
Recentemente a Polícia Rodoviária Federal adquiriu por 5,4 milhões de euros um Leonardo AW119 Koala equipado com guincho elétrico, EO/IR system e cesta para captar e combater incêndio. Outros seis podem ser adquiridos pela mesma licitação internacional.
Já o estado do Rio de Janeiro fez a compra de três helicópteros da Leonardo Company. Foram dois AW169 e um AW119. O Corpo de Bombeiros vai receber um AW169 capaz de fazer resgates aeromédicos dando suporte para dois pacientes em estado grave de saúde. O modelo também poderá fazer o resgate de pessoas em locais de altura, no mar, combate e incêndio e por fim transporte de pessoal e de tropas.
Já a Polícia Civil do Rio de Janeiro vai receber um AW169 e mais um AW119. Os dois possuem proteção balística e vão atuar em missões ostensivas e de inteligência como plataforma de observação, comando e controle, vigilância, operações especiais, apoio aos policiais em solo, mapeamento e monitoramento, transporte tático de tropas, resgate e apoio a missões humanitárias.
O AW169 possuirá guincho elétrico, farol de busca, sistema de moving map, compatível para operação com óculos de visão noturna dentre outros sistemas. O AW119 é previsto para missões de apoio de fogo, pousos em áreas restritas, desembarque de pessoal por rapel, combate a incêndio e acompanhamento de situações utilizando EO/IR system. O valor total da compra é de aproximadamente 48 milhões de euros.
Apesar de a Leonardo Company estar conquistando mais espaço no mercado de aviação de segurança pública, a hegemonia da Helibras ainda é muito grande no setor. A Rússia, também está buscando o seu primeiro contrato neste segmento e mesmo tendo produtos que atendam ao setor, está distante de conquistar o seu primeiro operador.
Isso porque existem no país barreiras culturais diante do produto de fabricação russa, como a sua filosofia de operação, manutenção e suporte pós-venda se comparado ao modelo ocidental. Na aviação, a participação da Rússia no Brasil é com 12 helicópteros de ataque Mil Mi-35M que há mais de 10 anos equipam a Força Aérea Brasileira.
“Hoje eu vejo que é o momento de todos os órgãos de segurança pública definirem as suas missões, trocar informações e ser cada vez mais universal, atendendo a toda a população. Não basta ter um helicóptero apenas, é preciso saber qual é a missão a ser cumprida, o tempo resposta, a prontidão (de dia ou de noite), entre outros. Isso exige gestão, que é caro e complexo”, reforçou o Coronel PM Gambaroni.
Usando São Paulo como exemplo, aproximadamente 85% dos seus 43 milhões de habitantes estão distantes apenas 15 minutos de um helicóptero de segurança pública. Isso é ter a certeza de que diariamente uma aeronave estará disponível para fazer um atendimento. “Para o serviço público isso é um fator fundamental, pois todos saberão que o serviço estará disponível, precisando dele ou não”, explica o Coronel PM Gambaroni.
Treinamento e parcerias
Cada um dos 26 Estados brasileiros e o Distrito Federal possui as suas próprias características regionais. Seja pela concentração de pessoas em determinados locais, a infraestrutura disponível para abastecimento e pouso, a própria questão da missão, demanda operacional e a geografia. A operação diária desses serviços apresenta diferenças e contrastes entre si. A formação e treinamento também.
Cada Estado age autonomamente e possui as suas próprias doutrinas e metodologias. Vários adotam o modelo de terceirizar a formação básica e inicial dos seus pilotos em escolas de aviação civil para, depois, na rotina das missões e em sala de aula, dar a formação policial de acordo com as necessidades operacionais. Outros, por sua vez, possuem sua própria escola, homologada pela agência reguladora civil, para conduzir as aulas teóricas e práticas.
No Brasil existem algumas escolas que são dedicadas à formação e ao treinamento de pilotos e tripulantes policiais incluindo procedimentos táticos, de emergência, operação com carga externa, guincho, rapel, combate a incêndio e outras. No Estado do Pará, por sua vez, existe um centro de treinamento dedicado para resgate aeromédico em locais de difícil acesso com enfoque para operação na selva.
“O Rio de Janeiro possui grande experiência de atuação em ambiente urbano com alto risco de conflagração. São Paulo detém muito bom conhecimento no salvamento aquático com mais de 25 anos de operação nesse sentido. O Ceará, Santa Catariana, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais contam com estrutura de resgate aeromédico diferenciada. A Bahia é um referencial na operação com drones e está dando instrução até para o Exército Brasileiro. É preciso aproveitar os conhecimentos de cada um em prol de um desenvolvimento conjunto dos órgãos de aviação de segurança pública”, explica o Coronel PM Gambaroni.
O então comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo também relembrou que já foram feitos intercâmbios com policiais de outros estados voando e cumprindo escala de voo das mais variadas missões. “Como se fossem membros da Polícia de São Paulo. E tudo isso deu certo e trouxe benefícios. Mas é preciso fazer mais”, argumenta.
No Brasil uma das principais necessidades está justamente no aperfeiçoamento e manutenção das capacidades dos pilotos em relação ao seu treinamento. Segundo o Coronel PM Beni, as tripulações são muito experientes em voar as suas aeronaves. “Mas é fundamental que exista uma manutenção nos procedimentos de emergência e táticos como combate à incêndio, rapel, operação com gancho e guincho, por exemplo”, complementa.
Apesar de não existir um treinamento integrado entre os órgãos de aviação de segurança pública, atualmente existem muitos pontos em comum numa operação conjunta, no caso de calamidade, onde pilotos e tripulantes de vários serviços se encontram.
“Em operações como a de Brumadinho, existem pilotos de vários estados trabalhando juntos. Hoje as organizações de segurança pública possuem uma linguagem semelhante no modo de operação, mas é também uma questão de padronização em certos aspectos. Me recordo que em algumas ocorrências conjuntas, que ocorreram há muitos anos, tripulantes depois escreverem sobre questões de balizamento e sinalização. Esses artigos serviram de base para quem não tinha isso sedimentado. O próprio macacão de voo virou padrão nas polícias, o que antes não acontecia. Alguns usavam na cor que representava o seu estado, outras usavam o preto. Mas ter um modelo padronizado reduz o preço e fica mais prático. Até na hora de atuar em conjunto isso acaba sedo um facilitador pois todo mundo fala igual, a mesma língua”, comenta o Coronel PM Gambaroni.
E o treinamento conjunto, a interação, não é só de ter o mesmo padrão, mas de todo mundo se conhecer. “O mundo da aviação é muito pequeno ainda, deverá ser por muito tempo, pois não é uma atividade que você tem tanta gente para uma área de cobertura. Talvez um dos desafios do segmento da aviação de segurança pública seja esse nos dias de hoje, o de fortalecer os elos entre as pessoas. Esse tipo de situação cria vínculos. Eu vejo os órgãos de aviação de segurança pública como ilhas com vários deles já tendo estabelecido pontes entre si”, explica.
Outro aspecto que pode ser trabalhado no Brasil é a questão das parcerias público-privadas. Mas é preciso algumas mudanças. A legislação nacional ainda impede certos desenvolvimentos da parte de resgate aeromédico e combate a incêndio, por exemplo, por empresas privadas.
“Muitas missões podem ser feitas com parceiras público-privadas como o salvamento, por exemplo. É só olhar para o mundo e ver que na Inglaterra o serviço de Busca e Salvamento também é formado por empresas contratadas. Muitas possuem pilotos que são militares aposentados aproveitando essa experiência adquirida ao longo de muitos anos de atividade”, explica o Coronel PM Gambaroni.
No Brasil, em localidades mais afastadas e onde a estrutura de combate a incêndio em áreas rurais ou de selva é limitada, empresas particulares poderiam iniciar essa tarefa com helicópteros dedicados para a missão até que os primeiros reforços chegassem por parte dos órgãos federais – como a Força Aérea Brasileira.
Para a missão de combate a incêndio, por exemplo, é possível dispor de uma frota mista de helicópteros multifunção como os próprios HB 350 Esquilo e outros tipos dedicados como o Sikorsky S-70 Fire Hawk. “Nós conversamos no passado com a Polícia Federal e Receita Federal e outros órgãos. Mais de 90% dos modelos operados pela aviação de segurança pública não são do porte dos tipos que comercializamos, que é uma classe maior como o S-76 e o Black Hawk, que podem ser dotados de todos os sensores utilizados pelo segmento. Mais recentemente, no Brasil, começaram algumas investidas em tipos maiores para missões de mais capacidade”, explica o Comandante Herialdo Martins Ferreira, executivo de marketing da Powerpack, representante da Sikorsky no Brasil.
Para algumas polícias, como serviços com maior envergadura, apesar das vantagens de uma padronização, dispor de alguns modelos específicos para determinadas missões poderia dar mais eficiência para as operações. No Rio de Janeiro a balança se tornou mais favorável para as autoridades após a introdução em serviço do Bell Huey II, primeiro na Polícia Civil e depois na Polícia Militar. Isso pela capacidade de transporte de tropas armadas, pela blindagem incorporada e o poder de fogo vindo do alto.
“O Bell Huey II são exemplares que passaram por retrofit após não terem sido usados na Guerra do Vietnã. Eles passam por um processo de inspeção, modernização e colocação em voo”, conta Cássio Sánchez, Regional Sales Director da Bell Helicopters no Brasil.
A empresa possui pouco mais de 10 exemplares entre o Bell 207, Huey II e Bell 412 voando no país. O intuito é aproveitar o potencial de crescimento e modernização do mercado brasileiro que eventualmente poderá buscar por plataformas de projetos mais novos e com missões mais específicas por um custo operacional mais baixo.
Novos recursos
A aviação de segurança pública no Brasil também tem avançado em direção ao recebimento de novas ferramentas e recursos para a sua atividade.
Os óculos de visão noturna talvez tenham sido aqueles que mais tenham se consagrado nesse sentido. O Distrito Federal e os estados de Santa Catarina e Minas Gerais, por exemplo, já incorporaram esse recurso nas suas operações aéreas. Para a segurança de voo permite a tripulação enxergar com mais facilidade os fios e torres de alta tensão, observar melhor os obstáculos, ajudar na localização de locais de pouso e ampliar a consciência situacional durante o voo.
Também permite a realização de pousos em áreas restritas e outras situações táticas, além de proporcionar maior segurança operacional pelo fato de que as luzes podem ser apagadas diminuindo a chance de o helicóptero ser observado por alguém no solo. “Os óculos ajudam em missões de inteligência, mas também nas missões de busca e salvamento, cujos voos podem ser realizados no período noturno”, reforça o Coronel PM Beni.
Outra ferramenta é o drone, que está sendo testada no Brasil para missões de monitoramento de tráfico de drogas, monitoramento em locais de incêndio, inteligência, reintegração de posse, salvamento de pessoas afogadas lançando boias, busca de pessoas perdidas em mata e outros.
“Os equipamentos hoje utilizados, em sua maioria, são aqueles desenvolvidos para a atividade civil e não possuem requisitos militares nem mesmo sensores dedicados para o segmento de segurança pública. É uma tecnologia que gradativamente está sendo descoberta, da maneira que ela pode contribuir para as polícias, Corpo de Bombeiros, fiscalização ambiental, secretaria de saúde e outras organizações. Está claro que o drone é uma ferramenta de auxílio para aviação policial, mas ainda é preciso discutir mais sobre o tema. Os Estados de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais estão usando os drones em diversas situações. A Bahia, por sua vez, detém uma doutrina de operação inclusive ministrando cursos”, finaliza o Coronel PM Beni.
Em outubro de 2018 a Polícia Federal adquiriu os modelos DJi Inspire 2 e Matrice 200 por 186 mil euros. Os equipamentos podem chegar a distância de 2,5km do operador, suportar ventos de até 45km/h, são resistentes a poeira e são compatíveis com câmeras termais Flir Zenmuse. Já o estado do Espírito Santo comprou 15 unidades do DJi Matrice 210 com imageador térmico da Flir Zenmuse XT 30hz e câmera com zoom ótico de 30x. A transação foi de 586 mil euros nesse último caso.
Matéria originalmente veiculada na revista RotorHub, volume 13, número 2.