EDUARDO ALEXANDRE BENI
RESUMO
Este artigo apresenta a problemática enfrentada pelos aeronavegantes quanto à imputação da responsabilidade civil decorrente de danos causados em aeronaves públicas sinistradas. Desta feita abordaremos sobre o papel do seguro aeronáutico frente à responsabilidade civil do Estado. O seguro contratado visa cobrir danos causados às aeronaves engajadas na Aviação de Segurança Pública, sua tripulação, passageiros e pessoas e bens na superfície, a fim de garantir a responsabilidade civil do Estado. Na Aviação de Segurança Pública o risco é inerente e o seguro tem papel fundamental para a sua operacionalidade.
Palavras-chave: Seguro, Responsabilidade Civil, Aviação de Segurança Pública
ABSTRACT
This article presents the challenges faced by the aeronauts as for the accusation of the civil liability resulting from damages caused in damaged aircraft. Of this action we will bring on the role of the aeronautic insurance front of the civil liability of the State. The contracted insurance aims to cover damages caused to the aircraft involved in the Aviation of Public Security, its crew, passengers and people and goods in the surface, in order to guarantee the civil liability of the State. In the Aviation of Public Security the risk is inherent and the insurance has fundamental role for its operation.
Key-words: Insurance, Civil Liability, Aviation of Public Security
INTRODUÇÃO
A aviação passou ao longo da história, especialmente após a ocorrência das duas grandes guerras mundiais, a ser um importante meio de transporte, em virtude da sua evolução técnica e do expressivo excedente de aeronaves e pilotos, tornando-se, assim um instrumento de transporte de passageiros e carga, veloz, eficiente e seguro.
A imperiosa necessidade de impor regras de responsabilidade aos transportadores e operadores de aeronaves deu-se em virtude dos limites regionais e internacionais que a aviação atua, pois a aeronave não está circunscrita ao território de sua bandeira, mas tem importante papel de fator de integração entre os países e continentes, seja no transporte de cargas, seja no transporte de passageiros.
Por outro lado, a normatização e o grau de conscientização do indivíduo com relação aos seus direitos e deveres, enquanto usuário do transporte aéreo, colaborou para a implementação das regras que definem os aspectos contratuais e extracontratuais da responsabilidade civil do transportador aéreo. É nesse contexto que foram implementados os padrões de segurança e de eficiência na Aviação Civil, e consequentemente influenciou tanto a Aviação Militar, com o Aviação de Segurança Pública, pois, não obstante suas origens serem coincidentes, o seguro como garantia da responsabilidade civil teve sua origem no transporte aéreo de pessoas e coisas e dele refletiu-se à Aviação de Segurança Pública.
Nesse contexto, atualmente, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)[2], há no Brasil 1.208 helicópteros e 10.715 aviões registrados no RAB, sendo que, dessas aeronaves, estão registradas na categoria Administração Pública Estadual, o total de 217 aeronaves, na categoria Administração Pública Federal, 68 aeronaves e na Administração Pública do Distrito Federal, 07 aeronaves e nenhuma aeronave registrada na Categoria Administração Pública Municipal.
Assim, por ter o Brasil uma grande frota, aumentam as ações demandadas no judiciário pleiteando indenizações referentes a acidentes e incidentes aeronáuticos, atrasos de vôo, extravio ou danos de bagagens e carga, etc., pois, além dos danos materiais e imateriais, por vezes, ocorrem perdas de vidas e lesões em pessoas. Esses sinistros aeronáuticos também geram custos às empresas aéreas, às seguradoras, às pessoas e ao Estado.
O seguro aeronáutico representa sustentáculo para a Aviação Civil e para a Aviação de Segurança Pública, pois esse instrumento de garantia fortalesse as atividades realizadas pelas empresas e pelo Estado, permitindo o desenvolvimento tecnológico, operacional e estratégico, dando segurança ao desempenho dessas atividades, pois, se não houvesse o seguro, bastaria uma aeronave acidentada para abalar irremediavelmente a atividade executada pelo Estado, quiçá por uma empresa de transporte aéreo.
Corroborando com esse entendimento Cavalieri Filho[3] afirma que:
Poucos tem a exata dimensão do seguro no mundo moderno; mais do que meio de preservação do patrimônio, tornou-se, instrumento fundamental para o desenvolvimento. Não fora a segurança que só o seguro pode dar, inúmeros empreendimentos seriam absolutamente inviáveis, da enormidade dos riscos que representam.Assim através dos contratos de seguro, no caso, o aeronáutico, consegue-se socializar o dano, repartindo-o entre todos, tornando-os suportáveis por maior que ele seja.
A responsabilidade do transportador aéreo e a obrigatoriedade da contratação de seguros aeronáuticos pelos operadores e exploradores de serviços aéreos públicos e privados é matéria do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), instituído pela Lei No 7.565/86. Por outro lado, o Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) determina que, para emissão do certificado de aeronavegabilidade das aeronaves engajadas nesses serviços, é obrigatória a comprovoção desses seguros, sendo assim será escopo deste artigo abordar especificamente sobre a garantia que atinge as aeronaves de patrimônio do Estado, arrendadas, em depósito, bem como as conveniadas.
1. APONTAMENTOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A responsabilidade civil da Administração Pública, também denominada Responsabilidade Civil do Estado, ocorre quando o próprio Estado deva reparar civilmente (indenizar) o dano causado por seus agentes ou por suas atividades, colocando aquele que sofreu o dano na mesma situação em que se encontrava antes dele.
A responsabilidade Civil do Estado traduz-se, como acima descrito, pela obrigação de reparação por danos causados pela prestação de serviços (ou ausência deles), pelos atos dos agentes públicos, enfim, decorrentes da atividade administrativa. É espécie de responsabilidade não versada em contrato, mas decorrente de previsão normativa, por isso é conhecida como responsabilidade extracontratual do Estado.
A definição da responsabilidade extracontratual do Estado passou por uma evolução até os dias atuais[4], ou seja, a primeira das abordagens remonta os Estados absolutos, quando, respaldado pela soberania, o Estado dispunha de autoridade incontestável perante o súdito, exercendo, ademais, a tutela do Direito, não podendo, por isso agir contra ele, ou seja, como o Estado pode praticar algo ilegal, se ele é a fonte e o guardião do Direito. Esse período ficou marcado pelo brocardo de que o rei não pode errar (the king can do no wrong ou le roi ne peut mal faire).
Em outros termos, havia a teoria da irresponsabilidade do Estado pelos danos eventualmente causados por seus atos.
Logicamente, essa compreensão começou a ser combatida, sendo superada no século XIX e dando ensejo à teoria civilista da culpa, que passou por duas fases: teoria dos atos de império e de gestão e a teoria da culpa civil (ou da responsabilidade subjetiva do Estado).
Numa primeira fase, fez-se a distinção entre atos de império e atos de gestão, onde os primeiros eram aqueles praticados pela Administração com prerrogativas e privilégios em relação aos súditos (imposição unilateral, coercibilidade), enquanto os segundos compreendiam atos praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares. Essa distinção, conhecida como teoria dos atos de império e de gestão, possibilitou uma separação entre atos praticados pelo rei (atos de império), que não admitiam a responsabilização, de atos praticados pelo Estado (atos de gestão), nos quais se admitiam a responsabilização civil.[5]
Entre outras razões, pela dificuldade em distinguir a figura (personalidade) do rei da figura do Estado, essa vertente da teoria civilista foi superada dando lugar à teoria da culpa civil, segundo a qual a responsabilidade do Estado seria possível sempre que houvesse culpa do agente, equiparando a responsabilidade estatal àquela verificada nos casos do patrão pelos atos praticados por seus empregados.
Assim, as teorias civilistas da culpa, admitiam a responsabilização civil do Estado, primeiro apenas nos atos de gestão (teoria dos atos de império e de gestão) e, depois, sempre que demonstrada a culpa do agente estatal (teoria da culpa civil).
As teorias publicistas tomaram lugar, iniciando-se com a teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa, segundo a qual a responsabilização do Estado não deve estar fundamentada na responsabilidade subjetiva do agente, e sim na culpa do serviço público. Quando a culpa fosse do agente público, ele próprio responderia por seu ato, mas nos casos em que o serviço público não funcionou, funcionou atrasado ou funcionou mal, o Estado deveria ser responsabilizado independentemente de demonstração de qualquer culpa pessoal.
Como última vertente das teorias publicistas, tem-se a teoria do risco que, por sua vez, embora haja discussão doutrinária, pode ser cindida em risco administrativo e risco integral. Ambas pregam uma responsabilidade objetiva do Estado.
Pela teoria do risco administrativo, o Estado responde objetivamente pelos danos causados por suas atividades, independentemente da demonstração de culpa de seus agentes ou mesmo do serviço. Há, no entanto, a aceitação de excludentes dessa responsabilidade, como, principalmente, nos casos de culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiros ou de motivo de força maior, causas que eliminam o nexo entre o comportamento do Estado e o dano sofrido.
Na teoria do risco integral, o Estado sempre responderá por danos decorrentes de suas atividades, não havendo a possibilidade de excludentes, nem mesmo nos casos acima enumerados.
Resta, pois, saber qual a teoria adotada pelo Direito Administrativo Constitucional Brasileiro e, nesse mister, a resposta encontra-se no § 6º do artigo 37 da CF, que assim dispõe:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.Para a visão tradicional da doutrina brasileira, de forma pacífica, no Brasil consagrou-se a responsabilidade objetiva (teoria do risco administrativo) para os danos causados pelo Estado, isso abarcando tanto a ação como a omissão do Estado.
Aqui, como em dispositivo do Código Civil, percebe-se, da simples leitura, a exigência do liame de causalidade. Não fosse assim, não estaria incursa no texto da Carta Política a palavra “causarem”.
Segundo Cahali[6] afirma acertadamente que:
A teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade integral do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim dispensa a vítima da prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização (…). Na realidade, qualquer que seja o fundamento invocado para embasar a responsabilidade objetiva do Estado (risco administrativo, risco integral, risco-proveito), coloca-se como pressuposto primário da determinação daquela responsabilidade a existência de um nexo de causalidade entre a atuação ou omissão do ente público, ou de seus agentes, e o prejuízo reclamado pelo particular.É a mesma a posição de Meirelles[7], que com exemplos, ensina que:
O legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares.Di Pietro[8], com clareza e precisão, afirma que:
Sendo a existência do nexo de causalidade o fundamento da responsabilidade civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando o serviço público não for a causa do dano ou quando estiver aliado a outras circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única.Nessa linha de idéias, conclui-se que o fato de terceiro, o fato da vítima, e o caso fortuito ou de força maior, excluem o dever de indenizar. Saliente-se inclusive, que o fato da vítima, quando concorrente, reduz a indenização, da mesma forma que na responsabilidade aquiliana, ao passo que se exclusivo, interrompe o nexo causal.
Nem sempre é fácil para o interprete averiguar a existência do nexo causal, principalmente nos casos em que o dano foi provocado ou majorado por fenômeno da natureza, devido à falta de serviço público, como, por exemplo, quando ocorre enchente que provoque danos e, caso existisse eficiente sistema pluvial, não ocorreriam.
Nesse caso, a doutrina e a jurisprudência apontam que, demonstrado que não ocorreria o dano caso existisse o serviço, o Estado responde pela indenização[9], assim as excludentes do nexo de causalidade, como dito acima, são as causas que interrompem esse liame, ou seja, o fato da vítima, o fato de terceiro e o caso fortuito ou de força maior, pois, ao aceitarem as excludentes da responsabilidade objetiva, há a aceitação da teoria do risco administrativo, ou seja, a responsabilização do Estado ocorrerá sempre, independentemente da demonstração da culpa do agente.
Todavia, cumpre adicionar à discussão a visão que tem trazido bons argumentos acerca do tema, segundo a qual a responsabilidade objetiva estaria limitada apenas à ação da Administração, mas não à omissão.
Nesse sentido são as lições de Bandeira de Mello[10], que ao comentar o princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos, assim dispõe:
– a responsabilidade do Estado aplica-se indistintamente a quaisquer das funções públicas, não estando restrita a danos provenientes de atos administrativos;
– posto que existe direito de regresso contra agente responsável nos casos de dolo ou culpa – e não em outros –, é porque cabe responsabilização estatal também em hipóteses nas quais inexista dolo e culpa. Isto é, está acolhida, conforme pacífico entendimento jurisprudencial (assentado em textos constitucionais anteriores desde 1946 e nisto não discrepantes do atual), a responsabilidade objetiva do Estado;
– dita responsabilidade objetiva, entretanto, só está consagrada constitucionalmente para atos comissivos do Estado, ou seja, para comportamentos positivos dele. Isto porque o texto menciona “danos que seus agentes causarem”. A omissão, rigorosamente falando, não é causa de dano, conquanto seja certo que condiciona e irresistivelmente sua ocorrência nos casos em que, se houvesse a ação, o dano seria evitado. Assim, parece-nos – e também nisto acatamos reverentemente os ensinamentos doutrinários sempre luminosos de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello – que a regra em nosso Direito Constitucional é a da responsabilidade objetiva para os comportamentos comissivos do Estado e, salvo casos excepcionais, responsabilidade subjetiva (por culpa do serviço) para os comportamentos omissivos: a saber, quando o Estado, devendo legalmente agir para evitar um dano e, podendo fazê-lo, não o fez ou não o fez tempestiva ou eficientemente;
– estes mesmos critérios de responsabilidade concernem também – como está explícito no referido artigo 37, § 6º – às pessoas de Direito Privado prestadoras de serviço público.Como se vê, o tema da responsabilidade civil do Estado ganhou novos elementos, onde a responsabilidade por ação é objetiva enquanto a por omissão é subjetiva.
Além da ação e da omissão (do agente ou do próprio Estado) como geradores de responsabilidade civil do Estado, tem-se separado também a responsabilidade pela guarda de pessoas ou de coisas perigosas, onde o Estado responde objetivamente, com base na teoria do risco-proveito.
Mas definir as teorias da responsabilidade, seus conteúdos geradores (ação, omissão e guarda) e as causas excludentes, não bastam para o reconhecimento do dever de reparação de dano pelo Estado. Necessário, ainda, verificar os pressupostos (ou requisitos) da responsabilidade e a prescrição do dano provocado pelo Estado.
Com certeza, o nexo de causalidade entre a atuação e o dano, afastado pelas excludentes já mencionadas, é um dos requisitos da responsabilização do Estado. No entanto, existem outros três:
– Atuação de agente das pessoas jurídicas de Direito Público (Administração Direta ou Indireta) ou das pessoas de Direito Privado prestadoras de serviço: para a responsabilização, é necessário que se vincule a causa do dano à atuação administrativa;
– O dano deve ser anormal, ou seja, não pode coincidir com as dificuldades quotidianas da vida em sociedade; dessa maneira, não será indenizável, em regra, o dano suportado por aquele que enfrenta uma fila normal em repartição pública;
– O dano deve ser especial, ou seja, não pode ser, em regra, um dano que atinja a toda coletividade, mas apenas uma pessoa ou alguns cidadãos.
No que concerne à prescrição, há polêmica, porquanto alguns sustentam o prazo prescricional de 05 anos. Todavia, como o novo Código Civil disciplinou a matéria no dano decorrente da responsabilidade extracontratual, há setor doutrinário que defende a prescrição em 03 anos e, ainda, embora seja referente à responsabilidade civil contratual, o CBA estipula prescrição em 02 anos, questão importante quando o Estado figure como segurado em contrato firmada para garantir sua responsabilidade.
Por tudo o que foi exposto, pode-se resumir a responsabilidade extracontratual do Estado no seguinte quadro:
TÓPICO | DESCRIÇÃO |
1. Teoria adotada no Brasil | – Regra: teoria do risco administrativo
(objetiva). – Exceção: teoria da culpa civil (subjetiva). |
2. Modalidades de responsabilidade | – Por ação: objetiva. – Por omissão: objetiva, para a maioria e subjetiva, para alguns. – Pela guarda de pessoas ou coisas: objetiva. |
3. Pressupostos da responsabilidade | – Nexo causal entre a atuação e o dano. – Atuação de agente da Administração Pública ou de Prestadora de
Serviços. – Dano anormal. – Dano especial. |
4. Excludentes (eliminação do nexo causal) | – Culpa exclusiva da vítima. – Culpa exclusiva de terceiros. – Motivo de força maior. |
5. Prescrição | – Tradicionalmente: 5 anos. – Novo Código Civil: 3 anos. – CBA: 2 anos. |
Como visto acima, uma vez reconhecida a responsabilidade civil do Estado, surgirá o direito de regresso, ou seja, o direito de o Estado reaver o montante pago à vítima do dano, denominada responsabilidade civil do agente do Estado por ação regressiva, podendo fazê-lo, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na mesma oportunidade da ação judicial proposta pela vítima, pelo instituto da denunciação à lide (espécie de intervenção de terceiros no processo civil).
Esse direito de regresso, todavia, somente surgirá quando o agente público tiver obrado com culpa ou dolo, em razão de seu cargo ou função, entretanto, a ação regressiva não é a única forma de o agente público ser responsabilizado civilmente perante o Estado, havendo os casos em que o dano é causado diretamente ao Erário. No caso, por exemplo, de um aeronavegante causar danos à aeronave de patrimônio do Estado, a responsabilidade civil será reconhecida, contudo não em razão do direito de regresso, mas simplesmente decorrente do dever de indenização de dano decorrente da culpa extracontratual, que será caracterizada pelo dolo ou pela negligência, imprudência ou imperícia referente ato do aeronavegante.
Por fim, no que concerne à prescrição do dano causado ao Estado (em razão do direito de regresso ou de forma direta), pode-se firmar, com base no § 5º do art. 37 da CF, que o direito do Estado em ver-se ressarcido é imprescritível.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE DO SEGURADOR
Antes de falarmos especificamente sobre o seguro aeronáutico faremos alguns apontamentos sobre a responsabilidade do segurador.
Inicialmente, o risco, o mutualidade e a boa fé são elementos essenciais do seguro. Podemos dizer que risco é perigo, que se materializa na possibilidade de dano decorrente de acontecimento futuro e possível, mas que não depende da vontade das partes. Podemos dizer que o risco é intransferível, sendo possível transferir as consequências econômicas do risco, caso ocorra um sinistro.
O mutualismo trata-se de uma comunidade submetida aos mesmos riscos e perigos, às mesmas probabilidades de dano, razão pela qual decidem contribuir para um fundo capaz de fazer frente aos prejuízos sofridos pelo grupo e por fim a boa-fé, elemento essencial do contrato de seguro, é a intenção pura, isenta de dolo ou malícia, manifestada com lealdade e sinceridade, de modo a não induzir o outro a engano ou erro.
O artigo 757 do Código Civil Brasileiro (CCB) dita que: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”, figurando como espécies de seguro: o seguro de coisas, calculado pelo valor de mercado (não pode ser cumulativo), seguro de pessoas (não há limite de contratações), seguro de saúde e seguro de responsabilidade civil a fim cobrir indenizações a terceiros, onde a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado, o que normalmente ocorre nos acidentes aeronáuticos.
No seguro de coisas a indenização deve ser necessária apenas para repor o dano sofrido, restabelecendo a situação anterior à ocorrência do sinistro, diferentemente do que ocorre no seguro de vida, pois este não tem caráter indenizatório, pois não está limitado a qualquer valor, já que não existe a possibilidade de mensuração da vida e caso o segurador imponha limite a sua responsabilidade, o segurado poderá fazer quantos seguros de vida achar necessário com outras seguradoras.
Outra espécie importante é o co-seguro, ou seguro cumulativo, previsto no artigo 761 do CCB, e muito utilizado na aviação, pois somente um segurador não suportaria arcar sozinho com os montantes indenizatórios no caso de um sinistro aeronáutico. É importante que não se confunda esta espécie de seguro com pluralidade de seguros, pois esta é conduta fraudulenta, exceto para o seguro de vida. Pelo seguro cumulativo o seguro também é contratado com várias seguradoras, que assumem responsabilidades sobre o conjunto do risco, sem determinação de partes. No co-seguro a obrigação é divisível, com seguro conjunto é solidária.
Por fim, existe uma espécie de seguro que é denominado seguro em grupo, onde figuram o estipulante, o segurado e o beneficiário. O estipulante é normalmente representado pelo empregador, associação de classe e que será o representante ou mandatário dos segurados.
Os segurados são os integrantes do grupo que aderiram à relação jurídica principal, que ao final vai se constituir relações jurídicas múltiplas e individuais. O beneficiário será a pessoa indicada pelo segurado para receber os benefícios do seguro. Nesta modalidade de seguro permite a entrada e saída de segurados, desde que mantenha um número mínimo de segurados estipulado pelo contrato-padrão e somente se extinguirá as relações subsidiárias se a principal deixar de existir.
O seguro de responsabilidade civil está atualmente descrito no artigo 787 do CCB que diz:
Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.
§ 1º Tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador.
§ 2º É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.
§ 3º Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador.
§ 4º Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente.O contrato de seguro, de forma geral, caracteriza-se como sendo um contrato de adesão, pois há uniformização do conteúdo, através de normas prefixadas nas condições gerais das apólices, porém devem ser sempre interpretados da maneira mais favorável ao consumidor. Na hipótese de existir resseguro, o segurador que for condenado a indenizar o consumidor deverá pleitear do IRB, em ação autônoma, a parte a que ele estaria obrigado.
Outra questão importante a ser abordada é sobre as excludentes de responsabilidade do segurador, pois segundo Cavalieri Filho[11], “[…] a responsabilidade objetiva do segurador muito se aproxima da responsabilidade fundada no risco integral.”, onde o caso fortuito ou força maior e o fato exclusivo de terceiro são, via de regra, incluídos nos riscos cobertos pela apólice. Por certo que se não houver esta condição estipulada no contrato não há como ser indenizado se tais acontecimentos ocorrerem. Somente o fato exclusivo do segurado ficaria isento da responsabilidade do segurador, desde que envolvido pelo dolo e pela má-fé, pois recompensar o ato doloso com a indenização do seguro seria, além de imoral, um estímulo à ilicitude.
Existe ainda nos contratos de seguro a exigência da franquia, definida como importância estabelecida na apólice que fica a cargo do tomador do seguro em caso de sinistro. Pode estabelecer-se como um montante fixo ou como uma percentagem do valor do capital segurado. A franquia permite reduzir o valor do prêmio, responsabilizando-se o tomador do seguro por uma parte do prejuízo. Quanto maior é a franquia, menor será o prêmio. Podem estabelecer-se franquias quer na cobertura de responsabilidade civil, quer na de danos próprios. No entanto, a franquia não é oponível a terceiros lesados, sendo estes indenizados pela totalidade dos danos sofridos, até o limite das garantias da apólice.
Por fim o valor da franquia pode ser atribuído de várias maneiras, entre elas com um valor fixo na apólice de seguros, ou, por exemplo, com um percentual do prejuízo, como ocorre nos seguros aeronáuticos etc.
3. O CONTRATO DE SEGURO AERONÁUTICO COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Feito esse preâmbulo sobre a responsabilidade do segurador é possível afirmar que para o estudo das normas que regem a responsabilidade civil contratual do Estado, faz-se necessária a apreciação a priori dos diplomas legais incidentes à espécie, sendo certo que o seguro aeronáutico tem suas normas relacionadas nas condições Gerais e Especiais constantes do Manual de Seguros Aeronáuticos, publicação regulamentada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e pelo Instituto de Resseguros do Brasil (IRB)[12], constante em todo contrato de seguros firmado no Brasil e que visam atender o disposto no CBA em seu Capítulo VI – Das Garantias de Responsabilidade, artigos 281 e 283 e da Resolução ANAC nº 293 de 19 de novembro de 2013, artigo 100, a qual regulamenta o funcionamento e atividades do Sistema de Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB).
Procurando criar uma solução ao problema da responsabilidade civil do Estado, bem como os órgãos que, por força de lei, operam a Aviação de Segurança Pública, e como forma de minimizar os riscos inerentes à atividade policial, houve a necessidade de aplicar os preceitos instituídos pelo CBA no que diz respeito à garantia da responsabilidade, através de contração obrigatória, parcial ou total, de seguros aeronáuticos.
Assim, o Estado, apesar de sua responsabilidade ser extracontratual e objetiva, viu-se na necessidade e obrigatoriedade de contratar seguro aeronáutico para as aeronaves que atuam na segurança pública, pois se trata, não só de uma garantia ao patrimônio do Estado, mas também aos terceiros na superfície e aos aeronavegantes que eventualmente venham a sofrer lesões ou falecer no cumprimento do serviço.
Desta feita, a responsabilidade civil imposta pelo CBA abrange quatro esferas, a primeira em relação aos seus passageiros, a segunda em relação aos remetentes de mercadorias, a terceira em relação aos seus empregados e a quarta em relação a terceiros. As duas primeiras derivam dos contratos de transporte, a terceira advém do contrato de trabalho e a quarta decorre da lei.
A contratação de seguro do ramo aeronáutico para as aeronaves utilizadas pelo Estado possui em geral coberturas seguratícias que abrangem as condições gerais para seguros aeronáuticos, acrescido do Aditivo A (Garantia CASCO), do Aditivo B (Garantia RETA, Classes 1, 2, 3, 4) e da Responsabilidade Civil 2° RISCO da Garantia de Responsabilidade do Explorador ou Transporte Aéreo (RETA), estipuladas pela SUSEP e pelo IRB.
De forma geral a garantia de casco cobre os danos sofridos por perda ou avaria da aeronave, seja ela avião ou helicóptero, acrescidas, além do pagamento de franquias, de cláusulas especiais, como transporte, carga, inflamáveis e/ou explosivos, ventos com velocidade igual ou superior a 60 nós, ingestão, guerra, seqüestro e confisco, etc.
O aditivo B, considerado como garantia RETA, inclui os seguintes reembolsos:
– ao segurado em caso de acidentes envolvendo passageiros, tripulantes e pessoas no solo, na ocorrência de morte, invalidez permanente, incapacidade temporária e assistência médica e despesas complementares;
– ao segurado em caso de perda, dano ou avaria da bagagem e objetos que os passageiros e/ou tripulantes conservem sob sua guarda;
– reembolso ao segurado em relação a danos causados a bens de terceiros que estejam no solo, e
– reembolso ao segurado por danos ou colisão em outras aeronaves.
A cobertura de responsabilidade civil a 2º risco de garantia RETA tem como finalidade complementar o seguro de garantia RETA, pois seus valores de indenização são limitados pelo CBA e apresentam no Brasil valores por vezes defasados, obrigando a seguradora cobrir importâncias que excedam esses limites legais. Esta cobertura representa o limite máximo de indenização por acidente e sequências de acidentes, sendo limite único combinado (LUC) para as classes 1/2/3/4.
Para o cálculo do pagamento do prêmio são utilizados alguns critérios como estipulação das franquias, oficinas de manutenção das aeronaves, aeroporto de maior frequência, media mensal de horas voadas por tipo de aeronave, utilização e emprego dos helicópteros e aviões, perímetro de cobertura, prazo do seguro, LUC, desconto de frota, desconto de elemento credenciado do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER), desconto para aeronave no solo e plano de prevenção de acidentes aeronáuticos.
Sobre a franquia há uma questão a ser apontada, pois, quando o Estado realiza este contrato, seus valores e condições estão nele estipulados e ela reflete a parcela da indenização que ficará a cargo do segurado, isto é, o Estado terá a sua participação nos prejuízos decorrentes do sinistro, devendo pagá-la para ter direito ao recebimento da indenização.
Desta forma, não é difícil entender que, quanto maior a franquia estabelecida no contrato, menor é o risco da seguradora, pois o segurado estará pagando uma parte da indenização, e conseqüentemente, menor deverá ser o valor do prêmio a ser pago pelo segurado.
Assim, a aplicação da franquia nos seguros aeronáuticos tem o objetivo de viabilizar a aceitação de determinados riscos, como o acidente aeronáutico, cujos valores indenizáveis poderão ser elevadíssimos.
Pode-se dizer que, no ramo aeronáutico, as funções da franquia são reduzir as despesas administrativas da seguradora com os sinistros, que ocorrem em pequena quantidade, mas com valores elevadíssimos, excluir as “perdas normais esperadas” (sinistros que são inerentes à atividade do segurado), reduzir o custo do seguro e, por fim, estimular a prevenção de perdas.
Existe, ainda, na modalidade de seguro aeronáutico a figura do seguro de franquia, uma vez que a franquia atinge valores elevados. Com um custo adicional, parte ou a totalidade desta franquia é absorvida pelo segurador.
Desta feita, as franquias no ramos aeronáutico seguem alguns requisitos e são assim delimitadas:
– Franquia para helicópteros com rotores em movimento: 5% (cinco por cento) para todo e qualquer sinistro, inclusive em caso de perda total. (grifo nosso)
– Franquia para helicópteros com rotores parados: 0,5% (meio por cento) para todo e qualquer sinistro, inclusive em caso de perda total. (grifo nosso)
– Franquia para aviões: 5% (cinco por cento) para qualquer sinistro, exceto perda total da aeronave, em que não haverá dedução do valor da franquia. (grifo nosso)
Como visto nesta modalidade de contrato, as franquias nele estipuladas podem alcançar valores de alto custo, pois se referem a uma porcentagem do valor a ser indenizado, o que nos permite dizer que, na prática, a sua assimilação ficaria adstrita somente ao Estado (segurado), pois, embora se permita a ele ingressar com ação de regresso contra o agente que deu causa ao sinistro por culpa ou dolo, a cobrança desses valores seria, na prática, imputar sanção inexequível.
Ora, se o Estado contrata o seguro é porque está assumindo que os custos da aviação são elevados e de difícil assimilação até mesmo pelo próprio Estado. Aqui não se prega a impunidade, mas, havendo essa cobrança, no âmbito civil, comprovada a culpa stricto sensu, haverá uma desproporção na sanção, ou seja, um descompasso entre a ação do agente e a magnitude da sanção, onde o Estado estará impedindo a própria subsistência do agente e da família, além de estar desestimulando a atividade.
Esta assertiva esta prevista no Art. 944, parágrafo único do CCB, quando diz que havendo “[…]excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”
É importante ressaltar que ao se falar especificamente do aeronavegante, agindo em razão da função e em atividade policial, ressarcir o Estado por danos causados à aeronave, há uma evidente desproporção, devendo ser analisada de forma criteriosa, pois, na maioria das vezes, sua ação não se configura em erro de conduta, pois, além de ser inerente a ele o dever de cautela, nem a ação ele admite e muito menos o resultado, o fato decorre na maioria das vezes de forma involuntária, até inconsciente. Nesse sentido, seguindo os ensinamentos do Professor Cavalieri Filho[13]:
Não havendo normas legais ou regulamentos específicos, o conteúdo do dever objetivo de cuidado só pode ser determinado por intermédio de um princípio metodológico – comparação do fato concreto com o comportamento que teria adotado, no lugar do agente, um homem comum, capaz e prudente. A conduta culposa deve ser aferida pelo que ordinariamente acontece, e não pelo que extraordinariamente possa acontecer. Jamais poderá ser exigido do agente um cuidado tão extremo que não seria aquele usualmente adotado pelo homem comum, a que os romanos davam a designação prosaica de bonus pater familias, e que é, no fundo, o tipo de homem médio ou normal que as leis têm em vista ao fixarem direitos e deveres das pessoas em sociedade.Nesse sentido, o acidente não será somente o resultado dessa conduta, mas também de uma sucessão de fatores que antecederam o sinistro, inclusive podendo ser caracterizada a responsabilidade solidária do operador ou do explorador da aeronave.
Como exemplo, considerando que foi avaliada ser necessária sua realização, é oportuno citar a seguinte situação: retirada de cadáver encontrado em cachoeira na serra do mar. Nesta operação, os tripulantes operacionais são responsáveis pelas orientações de posicionamento da aeronave na área restrita. Posicionada a aeronave pelo comandante, o tripulante lançador coordenará a descida por rapel dos outros dois tripulantes. No solo, esses tripulantes serão responsáveis pela imobilização e acondicionamento do cadáver e ancoragem nos cabos fixados na aeronave, que continua no vôo pairado. O tripulante lançador será o responsável pela orientação do deslocamento da aeronave até local seguro para desembarque do corpo. No deslocamento, os cabos se desprendem, o cadáver cai e os cabos atingem o rotor de cauda e o rotor principal tornando sua pilotagem impossível, a aeronave sofre danos de grande monta, mas felizmente não há feridos. De quem é culpa? Imaginando que este acidente ocorreu porque o tripulante operacional no solo efetuou um nó incorretamente, pressionado pelo tempo e pelo local perigoso onde se encontrava o cadáver. O segundo tripulante operacional efetuou a conferência, mas, pelas mesmas razões, não observou a falha na amarração do cabo. A aeronave acidentou-se.
Hipoteticamente este acidente resultou em uma indenização no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de Reais), como para os helicópteros com os rotores em movimento a franquia é de 5%, este valor chegou ao montante de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais). Assim, por ter o tripulante operacional efetuado um nó incorretamente em uma missão complexa e arriscada, é responsabilizado pelo pagamento do valor dessa franquia, que é, na prática, impossível de ser assimilada, quiçá o valor principal se não houvesse o seguro contratado.
Na Aviação Civil, como regra geral, esses valores são assimilados pelas seguradoras e pelas empresas aéreas e na Aviação Militar pelo Estado, porém, conforme o caso, são tomadas as medidas administrativas e penais cabíveis.
Os erros na aviação não são comuns, porém são, na maioria das vezes, recorrentes, o que demonstra a reincidência de condutas dos aeronavegantes ao longo do tempo, corroborando com o argumento de que não há acidente novo, mas recorrência de falha, por isso a preocupação exacerbada pela segurança operacional.
Assim, o seguro aeronáutico contratado pelo Estado garante a cobertura integral dos sinistros, independentemente de comprovação de culpa e apesar de o Estado ter essa garantia, a Administração é obrigada, de ofício, instaurar procedimento apuratório, inicialmente, conforme o caso, através de sindicância, especialmente quando houver danos ao patrimônio do Estado ou de terceiro, desde que praticados por seu agente em razão do cargo ou função.
Desta feita, todo e qualquer dano causado por aeronavegantes nas aeronaves de patrimônio do Estado, mesma as arrendadas, em depósito ou conveniadas, bem como os danos materiais e físicos que causarem em terceiros no solo ou em passageiros, será tema de apuração, pois, não obstante ter ocorrido o ressarcimento dos danos, através do pagamento dos valores indenizatórios contratados, deve-se verificar se houve, por parte do causador dos danos, a existência de culpa ou dolo, analisadas as excludentes de nexo de causalidade.
Por derradeiro, ocorrendo um sinistro aeronáutico, que pode ser uma ocorrência de solo[14], um incidente aeronáutico[15], ou um acidente aeronáutico[16], será realizada também investigação normatizada pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) com o viés da prevenção, mas que, mediante determinação judicial, poderá ser utilizada para elucidação dos fatos, podendo, inclusive, apesar de não ser esse seu objetivo, auxiliar na imputação ou não da culpa ao causador do sinistro aeronáutico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisados os preceitos da responsabilidade civil do Estado, bem como do segurador viu-se que o seguro aeronaútico é uma obrigação e uma necessidade, pois além de garantir as atividades realizadas pelas empresas aéreas e pelo Estado, garante a execução das tarefas atinentes aos aeronavegantes e aos aeronautas, fornecendo segurança ao serviço em todos seus aspectos, inclusive aos terceiros e bens na superfície, aos passageiros e à carga, pois nesse sentido, na Aviação de Segurança Pública o risco é inerente e não há formas de sua desvinculação.
Por outro lado, apesar do escopo final de nosso Direito Positivo, quando da imputação de responsabilidade, buscar sempre a definição do culpado ou dos culpados, na aviação essa busca é mais complexa e tormentosa, pois se vê na prática, que as culpas, na maioria das vezes, são decorrentes e, às vezes, solidárias, ficando muito difícil ao final, imputar a responsabilidade somente a uma pessoa ou a um único evento, mesmo porque, normalmente, são vários os fatores que influenciaram no resultado danoso.
Por ser a aviação uma atividade complexa, tanto na gestão de pessoas, como na gestão de tecnologia, demanda, na análise dos sinistros aeronáuticos, por parte das autoridades competentes, maior cuidado na investigação e na apuração das responsabilidades, principalmente na Aviação de Segurança Pública, onde, além desses fatores, o risco é inerente e indissolúvel.
Assim, apesar do seguro aeronáutico ser contratado pelo Estado para garantir seu patrimônio e consequentemente garantir a atividade realizada pela Aviação de Segurança Pública, é importante que se diga que essas regras foram instituídas por analogia às regras impostas à Aviação Civil por força de normal legal e atualmente essa contratação é obrigatória por determinação da RBHA 47, Subparte D para todas as aeronaves que utilizam o espaço aéreo brasileiro, exceto para as aeronaves militares.
REFERÊNCIAS
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SILVA, Carlos Antônio Matos da, A Atividade Policial Militar e a Responsabilidade Extracontratual do Estado, A Força Policial, Ano 2006, out/Nov/dez, No 52.
NOTAS
[2] Disponível em: <http://www.anac.gov.br/estatistica/estat26.asp>, acesso em 02/03/2009, às 11:18h.
[3] CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003. p. 414.
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004, p. 548 a 549.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Op. Cit., p. 549 e 550.
[6] CAHALI, Yussef Said, Responsabilidade Civil do Estado, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 44.
[7] MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2000. p. 616.
[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 13ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 518.
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 13ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 519 e CAHALI, Yussef Said, Responsabilidade Civil do Estado, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 46.
[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 117.
[11] CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., 2003, São Paulo, Ed. Malheiros, p. 436.
[12] AERONÁUTICOS, Manual, Ed. Manuais Técnicos de Seguro, São Paulo, 1993.
[13] CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., 2003, São Paulo, Ed. Malheiros, p. 53.
[14] Todo incidente, envolvendo aeronave no solo, do qual resulte dano ou lesão, desde que não haja intenção de realizar vôo, ou, havendo esta intenção, o(s) fato(s) motivador(es) esteja(m) diretamente relacionado(s) aos serviços de rampa, aí incluídos os de apoio e infra-estrutura aeroportuários, e não tenha(m) tido qualquer contribuição da movimentação da aeronave por meios próprios ou da operação de qualquer um de seus sistemas. Definição dada pelo item 3.61 da NSCA 3-1/2008 do CENIPA, p.25.
[15] Toda ocorrência associada à operação de uma aeronave, havendo intenção de vôo, que não chegue a se caracterizar como um acidente aeronáutico ou uma ocorrência de solo, mas que afete ou possa afetar a segurança da operação. Definição dada pelo item 3.85 da NSCA 3-1/2008 do CENIPA, p. 28.
[16] Toda ocorrência relacionada com a operação de uma aeronave, havida entre o momento em que uma pessoa nela embarca com a intenção de realizar um vôo, até o momento em que todas as pessoas tenham dela desembarcado e, durante o qual, pelo menos uma das situações abaixo ocorra: uma pessoa sofra lesão grave ou morra, a aeronave sofra dano ou falha estrutural e a aeronave seja considerada desaparecida ou completamente inacessível. Definição dada pelo item 3.2 da NSCA 3-1/ 2008 do CENIPA, p. 16.