Quem são os atiradores e pilotos do grupamento aéreo da Polícia Civil que participam de todas as grandes operações contra o crime no Rio, como a invasão da Rocinha, na terça (19).
Veja Rio: Eram 5h20 da manhã da última terça-feira, 19, quando o piloto Adonis Lopes de Oliveira, 48 anos, chegou ao trabalho. Ainda no escuro, ele ordenou a sua equipe do Serviço Aeropolicial (Saer) da Polícia Civil que aprontasse dois dos três helicópteros do grupamento — o blindado Bell Huey II, também conhecido como Caveirão do Ar, e o Esquilo AS-350, equipado com um sistema de filmagem de última geração.
Em poucos minutos, Adonis e treze dos 39 homens que estão sob seu comando decolaram em direção ao principal centro distribuidor de drogas da Zona Sul: a favela da Rocinha. A unidade já vinha esquadrinhando o gigantesco aglomerado de barracos havia duas semanas e tinha tudo mapeado: o local onde ficavam os bandidos, a academia onde eles faziam exercícios, o laboratório de refino de cocaína e a casa do chefe do tráfico no morro, Antonio Bonfim Lopes, o Nem. O objetivo da operação, que contou com 200 participantes, era prender o chefão e outros 29 comparsas. Embora o criminoso e alguns de seus asseclas conseguissem fugir, a incursão acabou se transformando em um duro golpe contra o bando e resultou na prisão de onze pessoas e na apreensão de 3 toneladas de maconha. Com experiência profissional de 24 anos, Adonis está acostumado a situações de alto risco.
Nos últimos dois anos, ele e seus homens participaram da instalação de quase todas as dezessete Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) implantadas até agora na capital, além de ações como a prisão do miliciano Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, em 2009, e da invasão do Complexo do Alemão (veja o quadro na pág. 24). “Temos uma responsabilidade imensa, da qual pode depender a vida de nossos colegas”, resume o comandante.
Com grande poder de fogo e tecnologia, os helicópteros são uma importante arma contra o crime nas favelas cariocas. Basicamente, por dois motivos. O primeiro é a capacidade que esses possantes equipamentos têm de desarticular a ação dos marginais, protegendo a vida dos soldados e agentes que sobem pelas vielas dos morros. O segundo é sua utilização como instrumento no planejamento das invasões, sobrevoando os morros com dias de antecedência e identificando os principais pontos de ataque e os caminhos até eles.
Não é exagero dizer que os pilotos e atiradores da Polícia Civil fluminense realizam um trabalho único no país. Apenas aqui se enfrentam bandidos com arsenais tão poderosos, entocados em uma geografia peculiar. Para se ter uma dimensão do papel do Saer na luta contra eles, basta olhar o número de operações do grupamento nos últimos anos. Em 2008, foram 130. Em 2010, 218 — um total altíssimo, que só encontra paralelo atual na atuação de unidades aéreas dos Estados Unidos em guerras como a do Afeganistão e a do Iraque.
Os números da unidade:
25 – Atiradores
15 – Pilotos
3 – Helicópteros
41 anos – É a média de idade dos membros
4.500 reais – É o sálario líquido de um atirador
11.000 reais -É o salário máximo de um piloto
Donos de um perfil completamente diverso do que têm os demais policiais civis, os membros da tropa de elite dos ares formam uma célula à parte dentro da corporação. Todos têm curso superior, alguns até dois, e vários falam inglês. Do ponto de vista do treinamento, eles estão mais próximos dos homens do Bope, o batalhão especial da Polícia Militar. A rotina é rigorosíssima e envolve sessões semanais de tiro, além de pesados exercícios tipicamente militares, como desembarque rápido das aeronaves por rapel. A cada três meses, o preparo físico da equipe é examinado e ninguém pode ficar fora de forma.
O processo de admissão, que dura quarenta dias, é extremamente difícil. O último, realizado entre janeiro e fevereiro, começou com mais de sessenta candidatos. Logo no primeiro dia, nove desistiram. Nas primeiras 72 horas, os aspirantes foram proibidos de dormir e encararam provas que incluíam corrida, natação no mar e intermináveis trilhas na selva durante a madrugada — tudo sob a pressão psicológica dos veteranos da tropa, que repetiam frases nada encorajadoras, como: “É melhor desistir agora, você não vai chegar ao fim mesmo”.
Ocasionalmente, apimentavam os comentários com insultos e grosserias para testar o sangue-frio dos candidatos. Após um total de 500 horas de atividades, apenas sete concluíram o curso. Eles devem ser incorporados nos próximos meses. “Não dá para ter qualquer um aqui. Durante uma operação, não existe margem de erro. Nossa vida depende de nosso preparo e do comprometimento com a equipe”, afirma Max Paiva, 39 anos, oito deles dedicados à unidade. Como a maioria de seus colegas, Paiva é casado, tem um filho de quase 2 anos e é advogado.
Formado há sete anos, o Saer se originou do primeiro grupamento aéreo criado no antigo estado da Guanabara, no início da década de 70. Na época, a equipe atendia todas as forças de segurança e era responsável por salvamentos e resgates no mar e em montanhas. Com o tempo, e as mais diversas configurações, cada corporação passou a ter uma unidade própria. No caso da Polícia Civil, a inspiração veio das Special Weapons and Tactics (Swat) Units, grupos especiais americanos acionados em situações de altíssimo risco. É só olhar os homens vestidos para o combate e perceber a semelhança. Com o uniforme totalmente preto — composto de uma roupa de tecido antichama, coturnos e luvas de couro, máscaras, óculos escuros, capacete e colete à prova de bala —, chegam a carregar, incluindo armas, quase 30 quilos de equipamentos.
Pelo menos um em cada três homens realizou treinamento nos Estados Unidos. O policial Mauro Gonçalves, 48 anos, um dos mais experientes da equipe, está entre os que passaram pela Swat. “Quando eu comecei, há 23 anos, não tínhamos nem uniforme”, lembra ele. “Usávamos nossas próprias calças jeans e camisetas.” Madrugador de verdade, é o primeiro a bater ponto na base, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. Logo que chega, às 4 horas da manhã, encara uma corrida por todo o entorno do espelho-d’água, um total de 7,5 quilômetros, e faz musculação na academia. Após o turno, que se encerra às 6 da tarde, repete a corrida. “Depois da minha família, nada é mais importante do que este trabalho. Faço questão de participar de todas as missões, mesmo nos dias de folga”, conta Gonçalves, formado em educação física pela UFRJ.
Confira aqui as principais ações
Por mais glamouroso que possa parecer, passar o dia sobrevoando as paisagens deslumbrantes da cidade está longe de ser uma tarefa agradável. É comum, depois de certo tempo de voo, o estômago ceder às sucessivas manobras radicais dos pilotos, principalmente em operações sobre favelas. Em caso de enjoo, os policiais costumam vomitar dentro do próprio uniforme. “Caso contrário, voa tudo para cima do colega que está ao lado”, explica o atirador e também advogado Marcelo Lopes, 38 anos, oito no Saer.
Há ainda risco real de perder a vida em investidas em áreas conflagradas. Eles já nem contam mais quantos tiros de fuzil entraram nos helicópteros e, milagrosamente, não os atingiram. Há dois anos, Adonis se feriu no ombro esquerdo por estilhaços de um mecanismo da aeronave quebrado por um tiro. Em outra ocasião, um projétil cortou o ar entre os ombros de dois atiradores e se alojou no teto.
Em 9 de novembro de 2008, o grupo viveu uma experiência realmente traumática. Em uma missão de apoio a colegas encurralados no Complexo do Alemão, o atirador Eduardo Mattos, 35 anos, levou uma bala na cabeça e morreu na hora dentro de um dos Esquilos. Em sua homenagem, a sala dos tripulantes ganhou uma placa com o nome Dudu.
Diante de tamanhas exigências físicas e psicológicas, os profissionais do Saer têm salário acima da média em comparação com o das demais áreas da polícia. Um atirador chega a ganhar 4 500 reais líquidos por mês, enquanto um piloto recebe até 11 000 reais. Isso não significa, no entanto, que o grupamento seja mais rico que outras unidades. Como não há orçamento para as necessidades mais básicas, cada membro contribui mensalmente com 10 reais para dotar a sede de confortos mínimos. O valor paga papel higiênico, café, coador, detergente, sabonete e itens similares — fundamentais para uma equipe que praticamente vive aquartelada em períodos de operações.
Na sala dos tripulantes, os dois sofás têm furos enormes que eles chamam, em tom de chacota, de “buracos negros”. Com 858 reais angariados em uma vaquinha, eles acabam de comprar dois móveis novos. “Tem de ser meio maluco para estar aqui. Além de trabalhar muito, tiramos dinheiro do bolso”, brinca Maxwell Pereira, 37 anos, há cinco no time e formado em direito e ciência da computação. “É uma atividade que escolhemos por vocação, não por falta de opção”, afirma ele.
No caso dos que conduzem as aeronaves, o talento e a destreza são tamanhos que impressionam toda a equipe. “Parece que o helicóptero é uma extensão do corpo deles, pois fazem o que querem com o aparelho”, descreve o tripulante Demétrio Farah, 37 anos, casado, pai de um filho, campeão estadual, nacional e sul-americano de surfe na juventude e hoje uma fera com um fuzil na mão. “Existem pilotos excelentes. Mas é como no futebol. Tem o Garrincha, o Zico, o Rivellino. E tem o Pelé, que no caso é o chefe”, brinca.
Ao lado do talento e da dedicação de seus membros, o equipamento é um importante diferencial da unidade. Com câmeras especiais, o Esquilo AS-350 pode ser usado para filmagens noturnas em infravermelho ou em registro térmico. O Bell Huey II é um astro por excelência, protagonista de cenas de alto impacto no filme Tropa de Elite 2.
Desenhado nos anos 60 e reequipado em sucessivas versões, o aparelho, avaliado em 6 milhões de dólares, fez história na Guerra do Vietnã e hoje é usado no patrulhamento urbano e em operações especiais em cidades como Bogotá e Nova York. No Rio, sem falar das incursões contra criminosos, as aeronaves foram de grande valia em episódios trágicos como os resgates das vítimas dos deslizamentos de Angra dos Reis, em janeiro de 2010, e da Região Serrana, há três meses. Na ocasião, seus integrantes foram os primeiros a chegar a Teresópolis e Nova Friburgo após a catástrofe, salvando 296 vidas humanas (e mais uma centena de cachorros).
No massacre de Realengo, no dia 7, eles também foram fundamentais, transportando as crianças baleadas para os hospitais de Saracuruna, em Duque de Caxias, e do Estácio. Dos helicópteros do grupo, foram lançadas ainda as pétalas de rosas nos funerais dos doze estudantes assassinados na escola. Com final feliz ou triste, não existe missão importante sem a participação dos guerreiros do ar.
Fonte: Veja Rio.
Texto: Caio Barreto / Fotos: Fernando Frazão.