RODRIGO MANTOVANI NUNES
Capitão PMESP
RESUMO
O presente trabalho realiza estudo sobre a necessidade de criação de um Núcleo de Psicologia Aplicada à Aviação na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Aborda a evolução histórica da psicologia aplicada na aviação mundial, dando ênfase aos primeiros contatos entre a psicologia e o GRPAe, contextualizando a temática sobre aspectos legais da aviação civil, na qual a aviação de segurança pública está inserida, e sobre o atual Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Expõe a dinâmica das Operações desenvolvidas pelo Grupamento de Radiopatrulha Aérea – “João Negrão” e os riscos aos quais os seus profissionais encontram-se sujeitos. Cria um panorama da atual situação dos operadores de segurança pública e defesa civil no Brasil em relação à psicologia aplicada à aviação esmiuçando detalhes desta disciplina através de visitas realizadas em instituições no Brasil e na Europa. Aborda ainda estatística de acidentes envolvendo helicópteros em missões de segurança pública, ocorridas no país, buscando identificar quantos e quais aspectos psicológicos neles estiveram presentes. Ressalta as estatísticas do GRPAe quanto a acidentes, incidentes graves, incidentes, ocorrências de solo, fatos não classificados e relatórios de prevenção desde sua criação, em 1984. Por fim, após discussão dos dados coletados, buscaram-se definir a real necessidade de um psicólogo na organização, aumentando assim as barreiras e filtros para as falhas latentes presentes, bem como as ligações administrativas e técnicas deste profissional, sua formação mínima, status na carreira e escopo de atuação.
Palavras-chave: Polícia Militar. Psicologia Aplicada à Aviação. Segurança operacional. Gerenciamento do risco.
INTRODUÇÃO
A preocupação da segurança com o voo é tão antiga quanto o desejo de voar. A mitologia, que tem como um dos seus objetivos apresentar lições morais e transmitir mensagens às gerações posteriores, narrou na tragédia de Dédalo e Ícaro, há mais de três mil anos, a primeira recomendação de um pai zeloso a seu jovem filho sobre os cuidados no momento que fizesse uso de suas asas de cera e penas.
Não contava, porém, Dédalo, que a imaturidade, impetuosidade e impulsividade de Ícaro fizessem este esquecer tudo o que lhe havia sido recomendado, exigindo-lhe nada menos que sua mortal existência, passagem mitológica esta que nos tenta demonstrar a importância da vida comedida e equilibrada, cuidadosa e técnica.
Todos os defeitos e qualidades de nossos heróis mitológicos acima descritos, juntamente com uma infinidade de outros, compõem o objeto de estudo primordial da psicologia, que ao longo de sua existência definiu-se como a ciência que estuda o comportamento humano e os seus processos mentais.
Infelizmente esta tragédia grega, onde vidas e materiais são perdidos, é repetida com mais frequência do que gostaríamos e os componentes descritos acima, acompanhados de um sem número de outros, estão sempre presentes, conduzindo-nos à estatísticas bastante significativas da presença de aspectos psicológicos nos acidentes aéreos.
A última análise estatística produzida pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – CENIPA, considerando os períodos de 2003 a 2012, dá conta que dos 1.026 acidentes ocorridos no país, em 37,7% deles estava presente o aspecto psicológico como fator contribuinte ao evento, aspecto este que figura como o quarto aspecto mais atuante, atrás de deficiente julgamento,
supervisão e planejamento (FAB, 2013a).
Cabe salientar que os aspectos acima descritos, apresentados como os maiores contribuintes nos acidentes aéreos, possuem em seu pano de fundo grande campo de atividade para a psicologia já que todos se relacionam, em maior ou menor grau, com o comportamento humano, o que nos faz inferir que as estatísticas relacionadas ao aspecto psicológico, presente nos acidentes, superariam em muito os 37,7%, ora apresentados pelo CENIPA.
Dentre os fatores contribuintes para a ocorrência de um acidente ou de um incidente, o fator humano é apontado em cerca de 70 a 80% dos casos assim como na atividade aérea, que acaba por manter os mesmo percentuais (RIBEIRO, 2001).
O novo Manual do Comando da Aeronáutica 3-6 (MCA 3-6), de 30 de agosto de 2011, reestrutura a forma de avaliação dos fatores contribuintes, juntando Fator Operacional e Fator Humano em um único Fator Humano, dividindo-o em aspectos Psicológicos, Médicos e Operacionais por acreditar que a contribuição humana é preponderante nos acidentes aéreos, demonstrando ainda mais a importância do olhar “psicológico” sobre o comportamento humano nas suas mais diferentes interfaces (FAB, 2011).
O homem é indispensável mesmo nos sistemas extremamente complexos e automatizados. Embora seja a parte mais importante em qualquer atividade, por suas características de criatividade, adaptação a mudanças e potencial de desenvolvimento, é também a mais vulnerável, podendo sofrer influências que podem afetar negativamente o seu comportamento, devido a limitações biológicas, psicológicas e sociais (COELHO e MAGALHÃES, 2001).
SOUZA (2003, p. 19) complementa:
O sucesso da prevenção de acidentes aeronáuticos reside no conhecimento contínuo e aprofundado do homem enquanto tripulante. Explorar as variáveis psicológicas envolvidas na relação homem–máquina surge, então, como palavra de ordem à prevenção de acidentes.
Para atuarmos então, de forma efetiva, no Fator Humano, temos que fazer uso da Psicologia, que tem raízes históricas difusas, podendo ser tratada de forma contemporânea ou antiga, religiosa ou científica, mas que ao longo dos últimos 120 anos, independentemente da abordagem, vem sendo incorporada nas mais diversas atividades humanas, interferindo diretamente na forma de pensar e agir do homem moderno.
Um dos empregos pouco divulgado, contudo não inusitado, é a aplicação da psicologia na segurança, e em especial na segurança de aviação. Vem sendo cada vez mais importante e necessária a presença do profissional em psicologia nas empresas de transporte aéreo regular e nas instituições militares que desenvolvem atividade aérea, em locais diferentes do que somente a seleção de pessoal como outrora ocorria.
Jensen (1995) definiu a Psicologia de Aviação como sendo o estudo do comportamento humano no projeto e na operação dos sistemas de aviação e teve como primórdio no estudo das causas dos diversos acidentes e incidentes ocorridos nas instruções práticas de voo, durante a segunda guerra mundial.
De 1945 até os dias atuais, a área de atuação da psicologia evoluiu muito, passando a contribuir também nas áreas de formação e treinamento de aeronavegantes, nas áreas de ergonomia quando da concepção de cockpits, além de complexa gama de assuntos que vão desde capacidade de julgamento, passando pelo processo de tomada de decisão, chegando até pormenores envolvidos nos relacionamentos humanos quando embarcados em aeronaves.
Como fonte de interesse e estudo, são açambarcados, também pela psicologia de aviação, a cultura e o clima organizacional da instituição aérea, já que tais aspectos exercem sobremaneira pressões em todos os seus integrantes que podem, sendo mal conduzidos, levar a acidentes aéreos.
Entrevista realizada com o Psicólogo Roberto Heloani (CRP, 2013, p.6), professor da Unicamp na área de Psicologia do Trabalho, alimenta ainda mais a discussão do papel do psicólogo organizacional, uma das vertentes encontradas na aviação. Ele afirma:
Alguns psicólogos realmente não tiveram uma atitude que poderíamos avaliar como ética. Acabaram assumindo o papel de selecionar, treinar e demitir, mas não o de cuidar das pessoas, embora seu potencial evolutivo fosse maior que este. […] Está na hora do psicólogo organizacional tomar o seu lugar e assumir, efetivamente, um compromisso explícito com o ser humano e não com o capital […] o psicólogo pode pensar na produção, mas deve aproveitar para conscientizar a gestão sobre a necessidade de cuidar da saúde física e mental das pessoas. Ele precisa propiciar um ambiente no qual haja espaço para ser, combatendo – e denunciando – ambientes perversos que favoreçam ao adoecimento.
Deve ser fonte de discussão a dimensão ética da psicologia. A simples seleção do profissional para a atividade, como ocorre em grande parte das instituições aéreas onde podemos enquadrar em parte o GRPAe – “João Negrão”, é a defesa do capital; é o melhor para a organização em detrimento, em algumas oportunidades, do pior para o profissional.
Neste aspecto, em 1997, um Conselho de Voo, presidido pelo Cmt. do GRPAe, à época, e integrado pelos pilotos mais graduados da unidade, deliberava sobre a conduta despadronizada e pouco usual de um dos comandantes de aeronave. Na ocasião, muito foi definido sobre os atos praticados, ficando patente, contudo, a necessidade de um psicólogo no Grupamento a fim de atender às demandas que já começavam a surgir tanto no aspecto pessoal dos tripulantes, quanto no organizacional, o que corrobora o papel designado ao profissional de psicologia, conforme palavras de Heloani.
Na mesma linha de pensamento, a Polícia Militar do Estado de São Paulo orientou a instituição da Lei nº 9.628, de 6 maio de 1997, que cria o Sistema de Saúde Mental, com o objetivo de planejamento, execução, controle, fiscalização e avaliação de todas as atividades relacionadas à saúde mental do policial militar, visando ao pleno gozo de seu potencial físico e mental, permitindo a criação de Núcleos Regionalizados de Assistência Psicossocial.
Vale notar que se preocupar com o homem, protegendo-o das organizações, e preocupar-se com a organização, protegendo-a dos homens, é o foco da segurança operacional.
Deve a Polícia Militar, através do GRPAe, promover a segurança operacional da atividade aérea, de todas as formas possíveis, com o risco de, em uma única situação, esfacelar a confiança junto à população, duramente alcançada ao longo dos anos.
E com este objetivo é que devemos buscar todos os mecanismos que possam fortalecer os padrões de segurança, ora existentes, identificando mais ferramentas que possam promover um melhor serviço, tornando a atividade ainda mais confiável e segura.
A segurança operacional depende de doutrina e de filosofia de trabalho baseadas em atitudes pessoais e institucionais seguras, que consideram a relação do ser humano com o meio ambiente, com o equipamento operado, com as normas e os manuais desenvolvidos e com as demais pessoas envolvidas, e é neste ambiente que a psicologia melhor se ajusta.
Existe a possibilidade de que, com a aplicação de novas técnicas e o incremento de novas ferramentas do gerenciamento do risco operacional, a atividade aérea desenvolvida pelo GRPAe, possa alcançar níveis ainda melhores, a exemplo de outras Organizações no Brasil e em outros países, que executam este tipo de atividade.
Diante do exposto, o problema estudado neste trabalho é a verificação da necessidade da implantação de um núcleo de psicologia aplicada à aviação da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com base na análise de custo e benefício, considerando-se as demandas que o serviço poderia suprir e a legitimação para a sua aplicação.
Cabe ressaltar que em se constatando tal necessidade, o estudo deverá ser direcionado no sentido de se perceber as ligações necessárias para o desenvolvimento da atividade, bem como seu escopo.
A hipótese levantada é de que, ao se verificar a necessidade da implementação do núcleo de psicologia aplicada à aviação de segurança pública e defesa civil, o GRPAe poderá aumentar o grau de segurança de suas operações, minimizando assim os riscos, atendendo adequadamente as demandas que hoje possam existir e se preparando para as futuras expansões ao qual a atividade está sujeita, quer na incorporação de novos equipamentos, de pessoal ou de incremento das atividades atualmente existentes.
O objetivo desta obra é propor ações de identificação, controle e mitigação do risco como forma de requisitos operacionais mínimos para as missões desenvolvidas, verificando a viabilidade da implantação desse serviço no GRPAe.
A metodologia empregada baseia-se em pesquisas bibliográficas, sites da internet, visitas ao Grupamento Aeromóvel (GAM), Instituto de Psicologia Aeronáutica (IPA), Base Aérea de São Pedro da Aldeia da Marinha do Brasil, Polizeihubschrauberstaffel Bayern3, ADAC (Allgemeiner Deutscher Automobil-Club), Forces Aériennes de La Gendarmerie Nacionale5 e Metropolitan Police Air Support e uma pesquisa aleatória por amostra não probabilística junto às diversas Organizações Aéreas de Segurança Pública (OASP) do Brasil.
Este trabalho foi estruturado em cinco capítulos. O primeiro capítulo oferece um panorama geral da aviação civil no país, seu funcionamento e o embasamento legal, contextualizando o GRPAe dentro de suas peculiaridades operacionais e administrativas.
O segundo capítulo aborda a introdução e a evolução da psicologia aplicada a aviação no mundo, a implantação da psicologia na Polícia Militar do Estado de São Paulo e uma breve referência histórica da GRPAe e seus primeiros contatos com a matéria.
O terceiro capítulo traça um panorama da psicologia aplicada à aviação no dentro das Organizações Aéreas de Defesa Civil e Segurança Pública, obtido através de pesquisa elaborada junto às entidades. Neste capítulo também serão apresentadas as informações coletadas durante as visitas realizadas às organizações no Brasil e na Europa.
O quarto capítulo apresenta dados estatísticos dos acidentes no Brasil e os Fatores Psicológicos envolvidos, demonstrando ainda os atuais modelos utilizados para a compreensão dos acidentes aeronáuticos. Serão alvo de comentários, nesse capítulo, as estatísticas sobre a segurança operacional hoje.
Por fim, o quinto capítulo define as vantagens conferidas com a criação de um gabinete de psicologia aplicado à aviação, sua organização administrativa e o escopo de atuação do profissional frente aos desafios lançados pela implementação do serviço.
Leia aqui a monografia completa: