HILTON RAYOL
Um dos assuntos relevantes na atividade aérea nos dias de hoje, e que tem desenvolvido um papel importante para a aviação é o Direito Aeronáutico. Esse ramo da ciência jurídica trata de assuntos como: tráfego aéreo, navegação aérea, proteção ao voo, segurança de voo, registro de aeronaves, investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos, transporte aéreo, treinamento de pessoal da aviação, indústria aeronáutica e serviços auxiliares, infraestrutura aeroportuária e aviação de segurança pública, e suas relações internacionais, como os Tratados e Convenções.
O artigo refere-se a importantes definições de alguns autores que tratam do assunto, porém observei uma característica interessante durante as pesquisas, muitos também falam do Direito Aéreo.
A respeito dessa designação, o jurista SAMPAIO LACERDA distingue a expressão Direito Aéreo como um campo de ação amplo; que abrange não só as normas relativas à locomoção aérea, como ainda as necessárias à regulamentação das diversas atividades utilizadas no espaço aéreo, alcançando as aplicações das invenções recentes: condutos elétricos, telégrafos, radiotelegrafia, radiotelefonia e a televisão.
Muito embora não exista qualquer equivalência entre o Direito Aéreo e o Direito Aeronáutico, deparei-me com mais algumas definições que são interessantes para incluirmos neste artigo.
Conforme esclarece JÔNATAS MILHOMENS: Há fenômenos que se passam no ar e que, pelo seu valor econômico e político, interessam ao direito, são objeto de regras jurídicas e, todavia, não formam substrato de Direito Aeronáutico. A legislação sobre condutores elétricos, certas normas de direito civil, penal, administrativo que objetivam fatos relacionados com a atmosfera, podem dizer-se Direito Aéreo, não porém, Direito Aeronáutico. A legislação brasileira sobre radiocomunicações (radiodifusão, radiorecepção)… não constitui, de modo algum, Direito Aeronáutico, posto que constitua Direito Aéreo.
Uma outra denominação interessante que aborda a expressão Direito Aéreo, LUIS IVANI de AMORIM ARAÚJO, descreve no seu livro que as expressões Direito Aéreo e Direito Aeronáutico não são equivalentes, não são idênticas. O Direito Aeronáutico estuda, apenas, os problemas relacionados com a navegação aérea e não as restantes atividades e aspectos que, direta ou indiretamente, se referem ao espaço aéreo (radiotelegrafia, radiofonia), as quais pertencem ao campo do Direito Aéreo.
Consequentemente, o Direito Aeronáutico estuda, as questões que têm vinculação com a navegação ou o transporte pelo ar, e não aos aspectos que estão relacionados com espaço aéreo, as quais dizem respeito ao Direito Aéreo.
E como podemos definir o Direito Aeronáutico?
Segundo JOSÉ da SILVA PACHECO, define o Direito Aeronáutico como o conjunto de normas jurídicas sobre a matéria aeronáutica, abrangente da navegação aérea, tráfego aéreo, infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, atos e serviços, direta ou indiretamente, relacionados ao voo de aeronaves.
Tito Ballarino e Silvio Busti, entende o Direito Aeronáutico como a disciplina que estuda as leis que regem a atividade e as coisas – principalmente aviões e instalações do aeroporto – que constituem os elementos fundamentais.
Um outro aspecto significativo, diz respeito as fontes do Direito Aeronáutico, que estão narradas pelo autor LUIS IVANI de AMORIM ARAÚJO, a saber:
1- Legislação Interna. O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565, de 19.12.1986) estabelece, em seu artigo 1º, não só as fontes do Direito Aeronáutico de nossa Pátria: os tratados, o próprio Código e a legislação complementar, mas também uma norma de prelação.
2- Legislação Internacional. Antes de examinarmos as diversas Convenções referentes ao Direito Aeronáutico, bom é esclarecer que Convenção e Tratado são expressões sinônimas. Se antigamente se empregava o termo Convenção para indicar os acordos entre Estados objetivando assuntos de natureza econômica, comercial ou administrativa e a designação Tratado para os acordos de caráter político, hoje não se faz mais tal divergência.
Com a criação das primeiras regras que tiveram um reconhecimento mundial através das convenções internacionais, vale salientar a primeira em 1919, realizada em Paris, que deu origem à Comissão Internacional de Navegação Aérea – CINA, dando início a seguinte preleção:
Considerando que o desenvolvimento futuro da aviação civil internacional pode contribuir poderosamente para criar e conservar a amizade e a compreensão entre as nações e os povos do mundo, mas que seu abuso pode transformar-se em ameaça ou perigo para a segurança geral, e considerando que é aconselhável evitar todo atrito ou desinteligência e estimular entre as nações e os povos a cooperação da qual depende a paz do mundo;
Os Governos abaixo assinados, tendo concordado em certos princípios e entendimentos para que a aviação civil internacional se desenvolva de maneira segura e sistemática, e que os serviços de transporte aéreo internacional se estabeleçam numa base de igualdade de oportunidades, funcionem eficaz e economicamente, concluem a presente Convenção.
A Convenção de Paris tem alguns aspectos importantes, a saber:
– Princípios Gerais;
– Nacionalidades das aeronaves;
– Certificado de Nacionalidade e Aptidão;
– Admissão da navegação aérea sobre território estrangeiro;
– Regras para serem observadas na saída, em rota e na decolagem;
– Transportes proibidos;
– Aeronaves do Estado;
– Comissão Internacional de aviação aérea e;
– Disposições finais.
Vale ressaltar que a Convenção de Paris para a sua regulamentação da navegação aérea em 1919, foi influenciada nas leis marítimas, buscando uma padronização na atividade aérea.
A seguir tivemos outras Convenções que foram relevantes, são elas: Havana (1928), a Convenção de Varsóvia (1929), a Convenção de Roma (1933) e, uma das mais importantes, a Convenção de Chicago de 1944, que criou a Organização de Aviação Civil Internacional. A OACI é um organismo integrante da ONU, sendo atualmente composta por 191 Estados-Membros, com os seus 19 anexos que estabelecem as normas e os métodos recomendados para aviação civil internacional, a saber:
Anexo 1 – Licenças de Pessoal;
Anexo 2 – Regras do Ar;
Anexo 3 – Serviço Meteorológico para a Navegação Aérea Internacional;
Anexo 4 – Cartas Aeronáuticas;
Anexo 5 – Unidade de Medida a serem usadas nas Operações Aéreas e Terrestres;
Anexo 6 – Operações de Aeronaves;
Anexo 7 – Marcas de Nacionalidade e de Matrícula de Aeronaves;
Anexo 8 – Aeronavegabilidade;
Anexo 9 – Facilitação;
Anexo 10 – Telecomunicações Aeronáuticas;
Anexo 11 – Serviços de Tráfego Aéreo;
Anexo 12 – Busca e Salvamento;
Anexo 13 – Investigação de Acidentes de Aviação;
Anexo 14 – Aeroportos;
Anexo 15 – Serviços de Informação Aeronáutica;
Anexo 16 – Proteção ao Meio Ambiente;
Anexo 17 – Segurança: Proteção da Aviação Civil Internacional Contra Atos de Interferência Ilícita;
Anexo 18 – Transporte de Mercadorias Perigosas e;
Anexo 19 – Gerenciamento da Segurança Operacional.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional identificou a necessidade do desenvolvimento de normas, princípios e padrões comuns para regular o rápido crescimento de um modal de transporte que revolucionaria, nos anos subsequentes, o modo como o ser humano lidaria com as distâncias geográficas e com a velocidade dos fluxos comerciais – a aviação civil.
A Convenção de Chicago tornou-se o centro das atenções mundiais, iniciando os debates sobre o transporte aéreo, que já levava passageiros e carga por todo o mundo, pois existia uma preocupação em relação a criação de regras gerais que proporcionassem ao usuário, em qualquer país, segurança, eficiência e regularidade aérea.
Na convenção estavam presentes representantes de 52 nações e durante a Conferência Internacional de Aviação Civil de Chicago foi elaborada a chamada “Convenção de Chicago”. No dia 07/12/1944, nascia a Organização de Aviação Civil Internacional – OACI.
Com sede em Montreal, Canadá, a OACI é a principal organização governamental da aviação civil, sendo formada por 191 Estados-Membros e representantes da indústria e de profissionais da aviação.
O Brasil tem participado ativamente nas discussões e elaboração de normativas e recomendações técnicas emitidas pelo Organismo.
A OACI desempenha as seguintes funções:
I – Legislativa: modificar a Convenção (art.49,I), estudar e preparar, por meio de Comitê Jurídico, projetos de Convenção sobre matéria de Direito Aeronáutico;
II – Técnica: adotar e alterar, quando achar conveniente, normas relativas ao sistema de comunicações e amparo à aeronavegação, características de aeroportos e áreas de pouso, regras de tráfego, bem como todas as sugestões relacionadas com a segurança, regularidade e eficiência da aeronavegação;
III – Jurídica: os Estados podem solucionar suas controvérsias sem a necessidade de apelar para a violência.
Diversos processos pacíficos – diplomáticos ou jurídicos – podem resolver os litígios existentes entre dois ou mais Estados, e as diversas organizações de caráter internacional estabelecem que todos os desentendimentos que possam surgir entre seus membros devem ser solucionados pelos meios pacíficos, quer eles sejam diplomáticos ou jurídicos.
A Convenção de Aviação Civil Internacional no seu preâmbulo, considera que o desenvolvimento futuro da aviação civil internacional pode contribuir poderosamente para criar e conservar a amizade e a compreensão entre as nações e os povos do mundo, mas que seu abuso pode transformar-se em ameaça ou perigo para segurança.
Existem dois artigos nesta Convenção que reconheço serem relevantes neste tema, são eles:
Artigo 1º – Soberania
Os Estados contratantes reconhecem ter cada Estado a soberania exclusiva e absoluta sobre o espaço aéreo sobre seu território.
O Estado é um conjunto de indivíduos estabelecidos em determinado território de maneira permanente e que obedecem a um governo autônomo, no plano externo, e soberano, no campo interno. Apesar de reconhecer que o Estado possui soberania exclusiva e absoluta sobre o espaço que o cobre, não esclareceu até onde se estendia a mencionada soberania. (LUIS IVANI DE AMORIM ARAÚJO).
Artigo 2º – Territórios
Para os fins da presente Convenção, considera-se como território de um Estado, a extensão terrestre e as águas territoriais adjacentes, sob a soberania, jurisdição, proteção ou mandato do citado Estado.
O território é o espaço delimitado onde se encontram os demais elementos – população e governo – no qual o Estado exerce, válida e de maneira permanente, sua soberania e domínio exclusivo. (LUIS IVANI DE AMORIM ARAÚJO)
E qual a missão da OACI?
Servir como fórum global dos Estados-membros para a aviação civil internacional. Para isso desenvolve políticas e normas, compromete-se com auditorias de conformidade, realização de estudos e de análises, presta assistência e desenvolve a capacidade da aviação através de muitas outras atividades com a cooperação dos seus Estados-Membros e das partes interessadas.
Segundo DENIS BIANCHINI, a ICAO trabalha para o desenvolvimento e a organização dos transportes aéreos, de modo a melhorar a segurança, a eficiência, a economia, a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da aviação civil através da cooperação dos Estados-membros.
Não poderia deixar de mencionar que o Direito Aeronáutico está respaldado na Constituição Federal de 1988 e regulamentado através da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, denominado Código Brasileiro de Aeronáutica.
A Constituição Federal relata nos artigos 21 e 22 que:
Art.21 Compete a União: … XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: … c) a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária.
Art.22 Compete privativamente à União legislar sobre:
I- direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.
Finalizo este artigo, descrevendo sobre a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que de acordo com a legislação constituiu as normas, regras e as suas atribuições na atividade aérea.
A Lei nº 11.182, de 2005, estabelece a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), órgão que tem um caráter de uma autarquia especial e que passou a ter autoridade sobre a aviação civil, incumbindo de adotar as medidas necessárias para o atendimento de interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do país, atuando com independência e consoante os ditames que regem a Administração Pública: legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade.
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), uma das agências reguladoras federais do País, foi criada para regular e fiscalizar as atividades da aviação civil e a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no Brasil. Instituída em 2005, começou a atuar em 2006 substituindo o Departamento de Aviação Civil (DAC). É uma autarquia federal de regime especial e está vinculada à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República. As ações da ANAC se enquadram nas atividades de certificação, fiscalização, normatização e representação institucional.
Autor: Piloto de Linha Aérea; Bacharel em Aviação Civil pela Unicesp Brasília; MBA em Gestão Aeroportuária; Pós-graduação em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade Continuada pelo ITA; Curso de Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional SGSO pela ANAC; Direito Aeronáutico pela Academia Brasileira de Direito Aeronáutico – ABDA; Perito Judicial Aeronáutico pelo Instituto J. B. Oliveira; Curso de PBN pela ANAC.