Operação conjunta do Ibama e da Funai tenta expulsar invasores da Terra Indígena Kayapó, no Pará. Para a extração ilegal do ouro, garimpeiros aliciam indígenas e investem em armas de fogo.
Quando partem para uma operação de combate ao crime ambiental, os agentes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sempre preveem que enfrentarão algum tipo de resistência. Mas nesta quinta-feira (16/04) a situação foi ainda mais grave: eles foram recebidos a tiros numa operação contra o garimpo na Terra Indígena Kayapó, no Pará.
Dois helicópteros participavam da ação, um deles foi atingido. As aeronaves transportavam quatro agentes do Ibama, um agente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dois policiais militares até uma área de garimpo ilegal conhecida como Santili.
O grupo estava em busca de escavadeiras hidráulicas usadas pelos garimpeiros. Um homem escondido na mata disparou cinco vezes contra o helicóptero que dava cobertura à equipe. Em seguida, houve troca de tiros com os agentes em terra, e o homem fugiu pela mata fechada. Ninguém ficou ferido.
“Um dos tiros atravessou a fuselagem do helicóptero e atingiu o banco traseiro. Por sorte, o ocupante daquele assento havia acabado de desembarcar”, comentou Wilson Rocha, chefe de operações do Ibama.
“Sabemos que existe armamento de grosso calibre nessas regiões. Tivemos informações sobre uma arma de calibre ponto 50 (capaz de derrubar um helicóptero). Apesar de agir primeiro com segurança, a gente age também prevendo que possa haver um contato direto, como aconteceu hoje”, disse à DW Brasil, que acompanhou a ação.
“Foi a primeira vez que eu vi isso acontecer”, disse o piloto do helicóptero atingido, Sílvio Chote, que participa de operações do Ibama há 15 anos. Apesar do dano na fuselagem, o helicóptero conseguiu retirar o grupo do local.
Desde o ano passado, Funai e Ibama articulam uma parceria para expulsar os garimpeiros das reservas. A TI Kayapó é uma das que mais sofrem os impactos dessa atividade ilegal.
Comércio ilegal de ouro
A região é habitada pelos índios da etnia kayapó. O decreto de demarcação da Terra Indígena (TI) foi assinado em 1991. Os mais de 3 milhões de hectares de Floresta Amazônica preservada são uma parte do pouco que resta no sul do Pará.
A extração de minério e madeira é proibida por lei em terras indígenas. Mas, segundo a Funai, os índios são o tempo todo aliciados por garimpeiros, que pedem um tipo de “permissão” para colocar máquinas na reserva. O garimpo do Santili existe há mais de 20 anos. As primeiras fendas para extrair o ouro foram feitas quando a atividade ainda era liberada, antes de uma lei de 1991 proibir o garimpo em todo o território nacional.
Em troca, os garimpeiros oferecem aos índios de 10% a 15% do ouro extraído. Normalmente, o ouro é trocado por carros, motos e outros bens nas cidades de Redenção e Cumaru, as mais próximas.
“Mas a maioria das aldeias são contrárias a isso. Das 29 dentro da TI Kayapó, 24 não admitem o garimpo em suas terras”, ressalta Paulo Roberto de Azevedo Junior, técnico operacional da Funai. Ele atua junto aos indígenas há 20 anos, sete dos quais dedicados aos kayapós. “Nós tentamos mostrar aos índios que a atividade ilegal não compensa. A prova disso é que eles nunca enriqueceram com o garimpo.”
Combate ao crime
A operação em curso na TI Kayapó começou na quarta-feira e segue até a próxima semana. A logística é complexa: para chegar até o local são cerca de uma hora de helicóptero e mais de cinco de carro e barco.
“O principal objetivo é frear esse tipo de degradação com a destruição do maquinário. É difícil montar a logística para remover esse material da TI, por isso o destruímos”, explica Rocha, que coordena os 20 homens que atuam na operação.
No garimpo do Satili, duas escavadeiras hidráulicas foram destruídas. Esse equipamento tem capacidade para cavar um poço de 10 metros quadrados em até 10 horas e custa de 250 mil a 500 mil reais. Um acampamento, dois tratores e duas caçambas também foram desmantelados.
Rede de ilegalidade
No dia anterior, os agentes haviam destruído um caminhão, uma moto e 800 litros de diesel no garimpo conhecido como Maria Bonita, também na TI Kayapó. O dono do caminhão admitiu manter um garimpo no local e disse que o combustível abasteceria uma escavadeira hidráulica, que havia sido removida da área um dia antes, por medo da fiscalização.
O homem foi encaminhado pelo Ibama à Polícia Federal de Redenção, que registrou o flagrante e liberou o suspeito depois do pagamento de fiança de mil reais. O Ibama o autuou em 10 mil reais por transportar ilegalmente carga perigosa.
Há suspeitas de que grandes empresários do Pará e de outros estados estejam envolvidos no financiamento do garimpo em terras indígenas. Paralelamente, o Ministério Público do Pará tem cinco investigações em andamento para apurar quem está por trás da extração ilegal do ouro na região.