Major PM OSCAR FERREIRA DO CARMO
Grupamento de Radiopatrulha Aérea/PMESP
A abordagem tradicional para regular e gerenciar a fadiga da tripulação tem sido baseada em prescrições de limites máximos de horas de voo ou de jornada de trabalho diárias, mensais e até anuais, com a realização de intervalos mínimos requeridos permeando ou após o período de trabalho (ICAO, 2011).
Para atender demandas da aviação geral, as organizações submetem a tripulações a jornadas de trabalho irregulares e sem critério cientifico, contrariam o relógio biológico. Isso pode representar um risco para a segurança de voo (LICATI, 2010).
A responsabilidade do piloto e da tripulação na prevenção da fadiga de voo e do risco de acidentes e incidentes por esta causa deveria ser compartilhada com as organizações da indústria da aviação no Brasil – incluindo governo, empresas e dirigentes.
A doutrina de segurança da organização é fator preponderante na prevenção de acidentes, no entanto se não estiver bem sedimentada, normatizada, ou se é ineficaz, concorre para que os tripulantes não se resguardem.
É de se concluir, portanto, que: condições desfavoráveis, distúrbios do sono, problemas de saúde, aliados as escolhas pessoais inadequadas, podem conduzir o aeronavegante a quadros agudos de fadiga, que, se comuns em face de escalas de serviço sem critérios, conduzem a fadiga acumulativa e/ou crônica (KANASHIRO, 2005).
Interferência de aspectos organizacionais
“Reunir indivíduos proficientes e eficazes para formar um grupo ou um conjunto de pontos de vista não implica automaticamente que o grupo funcionará de forma proficiente e eficaz, a menos que eles possam funcionar como uma equipe. Para que eles sejam bem-sucedidos em fazê-lo, precisamos de liderança, boa comunicação, cooperação com a tripulação, trabalho em equipe e interações de personalidade. CRM e treinamento de voo orientado à linha (LOFT ) são projetados para que esta meta seja atingida com sucesso” (FLIGHT SAFETY FOUDATION, 2001. p. 57).
Aspectos organizacionais podem interferir no desempenho dos recursos humanos, na medida em que exercem influência significativa no comportamento individual e coletivo.
A Administração trata cultura organizacional como um conjunto de características-chave que a organização valoriza, um sistema de valores compartilhados pelos membros, quanto mais forte, maior é o impacto sobre o comportamento dos funcionários (ROBBINS, 2005).
Não se trata de regras escritas, mas dos laços que envolvem aqueles que estão inseridos na organização e que pensam de maneira semelhante. As regras e regulamentos formais dão sustentação e coerência à cultura organizacional.
“A cultura organizacional estabelece regras para um comportamento aceitável no local de trabalho, estabelecendo normas e limites. Provê um marco de referência para a tomada de decisões por parte dos gerentes e executores. A cultura organizacional estabelece, entre outros temas, os procedimentos e as práticas de reporte por parte dos operadores: ‘esta é a maneira como fazemos as coisas aqui e como falamos acerca de como fazemos as coisas aqui’”(MARINHA DO BRASIL, 2011, p. 3-4).
Para se assegurar que todos caminhem na mesma direção, uma organização com uma cultura organizacional forte deve expandir a amplitude dos controles, diminuir as distâncias na estrutura hierárquica achatando a pirâmide, encorajar o trabalho em equipe (ampliando o CRM, por exemplo), reduzir a formalização, dar mais autonomia aos funcionários e possuir ‘valores compartilhados’ (ROBBINS, 2005).
Segundo Robbins (2005, p. 378), a “cultura organizacional melhora o comprometimento organizacional e aumenta a consistência do comportamento dos funcionários”. Ela se refere à maneira pela qual os empregados percebem as características da empresa e não ao fato dos empregados gostarem ou não da cultura organizacional. Mas aspectos potencialmente disfuncionais da cultura não podem ignorados, por exemplo, as barreiras às mudanças, pois afetam a eficácia da organização.
Tais aspectos quando dissonantes favorecem o aparecimento das subculturas que tendem a evidenciar problemas, situações ou experiências comuns a alguns dos seus membros. Essas subculturas podem ter designações de departamentos ou se construir em virtude de separação geográfica. Uma unidade separada fisicamente do restante pode desenvolver uma personalidade diferente, embora mantenha os mesmos valores essenciais (ROBBINS, 2005).
Aspectos da cultura militar
Muitos relatos militares referem-se à fadiga e mostram sua relação com aspectos da cultura militar. Emblemático o relato do general inglês Horrocks na retirada de Dunquerque, que admitiu dois aspectos significativos para a derrota: a exaustão e a humilhação sentidas pela tropa. No início dos combates ele pretendia impor uma imagem de chefe disciplinador, fazendo a tropa desconsiderar a fadiga e repreendia os soldados barbados: ‘em combate a gente está sempre mal dormido; o efeito refrescante de uma boa barba vale por duas horas de sono’ (KELLET, 1987, p. 256).
O mesmo general depois reconheceu que seu raciocínio não estava bom e mencionou que a privação do sono afetava dos mais modernos aos de altas patentes, com exceção do General Montgomery, que durante toda a retirada fazia as refeições na hora certa e nunca deixava de dormir (KELLET, 1987).
Esses relatos demonstram que na organização militar, apesar da doutrina arraigada, podem preponderar aspectos personalíssimos. Nesse caso, uma defesa para a organização é formalizar normas para prevenção da fadiga.
As experiências de campo indicam que a motivação e o moral elevado são variáveis importantes e podem compensar os efeitos da privação do sono no desempenho individual (KELLET, 1987).
A organização militar utiliza bem esse conhecimento, no entanto, depreende-se do relato do General Horrocks, que a habilidade do comandante é fundamental para delimitar as ações e evitar o risco da fadiga.
Mas para Rosekind et al. (1996 apud SAMPAIO, 2010) a motivação pode ser perigosa porque essa resolução – a motivação e o moral elevado – teria uma força de recuperação contida e o planejamento e avaliação ineficientes induzem o piloto a estender a missão além do que seria o voo normal.
A análise de acidentes e incidentes em missões militares permitiu identificar que a influência organizacional – denominada causas sistêmicas – foi decisiva para a ocorrência desastrosa. As mesmas influências também foram identificadas em missões com helicópteros. Johnson (2007 apud SAMPAIO, 2010) entende que deve ser dispensada grande atenção aos aspectos mais complexos e sistêmicos da fadiga, sob pena de não haver diminuição no número de acidentes.
As características sistêmicas podem ser consideradas as particularidades da estrutura hierárquica responsável pelas operações aéreas, ou seja, as influências organizacionais exercidas sobre as tripulações, advindas de diferentes níveis da cadeia de comando. Desse modo, Johnson (apud SAMPAIO, 2010) entende que não seria descuido pessoal a ocorrência de fadiga, mas sim fruto de imposições de superiores.
Motivação
O cumprimento do dever para com a sociedade é um dos principais argumentos de motivação para o atendimento de tão variadas missões. A grande maioria delas envolve algum tipo de proteção à sociedade. O bem maior a ser protegido, obviamente, a vida, reforça a necessidade de pronta resposta dos pilotos de helicóptero da PMESP.
Um exemplo interessante de motivação, daquela que objetiva a superação dos próprios limites, consta da publicação de um boletim geral do Quartel General da Força Pública do Estado de São Paulo, de 10 de Setembro de 1932, em virtude da inauguração de dois hangares no Campo de Marte, isso em plena Revolução Constitucionalista.
“O G/M/A/P (Grupo Misto de Aviação da Força Pública do Estado de São Paulo) já conta com uma plêiade de experimentados pilotos, uns saídos da nossa própria milícia, outros, civis, da nossa melhor sociedade, que não contam perigos, não sentem fadiga, não medem impossíveis no cumprimento do dever que o seu patriotismo lhes ditou” (FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1932).
Com a ideia de motivar o militar, há uma tendência na PMESP em reconhecer e distinguir atos que demandem técnica apurada, padrões superiores de desempenho e esforço individual em ocorrências ou situações inusitadas.
A aviação da PMESP também está sujeita a essas formas de promover reconhecimento, mas também busca contrabalancear os impactos da motivação com suportes baseados em normatização interna, como a atuação do Conselho de Voo, normatização da aviação civil, filosofia do SIPAER e difusão de doutrinas.
Aspectos da cultura de segurança de voo
A fadiga tem sido relacionada em investigações junto aos fatores humano e operacional. Os relatórios do CENIPA mencionam aspectos de perda de sono e vigília estendida, ritmo circadiano e da carga de trabalho, somados aos aspectos de supervisão.
O CENIPA (2013, p. 14) recomenda às organizações policiais e de defesa civil a atuação “na cultura organizacional, valorizando o comportamento conservativo e o cumprimento dos procedimentos padronizados.”
A normatização aeronáutica traz fundamentos para a cultura difundida entre o pessoal envolvido, lembrando: o comandante é o piloto responsável pela operação e segurança da aeronave e exerce a autoridade decisória, desde o momento que se apresenta para o voo até o momento em que entrega a aeronave (BRASIL, 1986).
O comandante é designado pelo proprietário ou explorador da aeronave e é responsável pelas tripulações no cumprimento da jornada de trabalho, limites de voo, repouso e alimentação (BRASIL, 1986).
Artigos relacionados
FADIGA VI: O gerenciamento de risco da fadiga
FADIGA V: As Organizações e Fadiga
FADIGA IV: A fadiga na aviação
FADIGA III: Carga de trabalho e ritmo biológico circadiano
FADIGA II: O sono e a vigília prolongada
FADIGA I: Como começou e sua natureza
Monografia – Estudo da fadiga na pilotagem de helicópteros