Com o objetivo de perpetuar ainda mais a memória do Comandante Luiz Henrique Andrade Barbosa, piloto de helicóptero do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, publicamos três excelentes artigos que escreveu em junho de 2007 no seu Blog, denominado Resgate Aéreo.
Os artigos são, além desse, “Ensaio sobre aviação de Bombeiros e outras considerações” e “Como Montar uma Unidade Aérea de Bombeiros“. O seu Blog era voltado aos temas relacionados a aviação de Bombeiros no Brasil e no mundo e hoje encontra-se inativo.
O Comandante faleceu em um acidente aeronáutico em 09 de agosto de 2007, por volta de 14:00h, no Setor P-Sul da cidade de Ceilândia – DF, envolvendo um helicóptero do Corpo de Bombeiros (AS350BA, PT-HLZ). Estavam a bordo, além dele, o Cap BM José Frederico Assunção Magalhães e o 1.º Sgt Lélio Antônio da Rocha.
Essa rica experiência certamente aumentará o nível de alerta de todos os aeronavegantes.
Luiz Henrique Andrade Barbosa (em memória)
No ano passado (2006), por muito pouco o helicóptero em que eu pilotava não colidiu com uma fiação que cruzava a BR 060, rodovia que liga o Distrito Federal a cidade de Goiânia – GO. Foi por muito pouco mesmo. O interessante é que todo o procedimento operacional e de segurança adotado por minha unidade aérea foi cumprido.
Ao bloquear o local, circulei o ponto do lado do Co-piloto para que ele e o tripulante da esquerda “clareassem” a área identificando os obstáculos significativos como fiação, torres, antenas, veículos, pessoas, áreas e ou situações de perigo em potencial para a nossa operação.
Terminada essa primeira passagem, circulamos na direção oposta para que todos os tripulantes posicionados do outro lado, incluindo eu, tivessem também o conhecimento sobre a área sobrevoada, confirmando a presença de todos os obstáculos anteriormente observados. Feito isso, confirmei se toda a tripulação tinha identificado à área de pouso, se todos tinham visto os obstáculos e se havia alguma outra observação a mais a ser feita.
– Então podemos pousar? Sempre faço esse questionamento.
Por último, informei qual seria a entrada para o pouso baseado no vento predominante, nas condições do terreno e na situação do acidente lá embaixo.
Como nada mais foi dito ou perguntado, então informei que ingressaria na final para o ponto definido. Eu costumo fazer minha final pra pouso e minha posterior decolagem, mantendo-me sempre sobre a rodovia. Geralmente não costumam “plantar” postes no meio da pista. Aproximo para um ponto imaginário na vertical da área escolhida sempre em uma altura superior a uma possível fiação que esteja cruzando a via. Na curta final, se já for possível garantir que realmente não há fiação cruzando, prossigo direto até o toque no solo.
Tudo isso parece um processo longo e demorado, mas não é. Com o tempo ele passa a ser executado de forma natural e bastante dinâmica.
O mais importante de todo esse procedimento, e de qualquer outro envolvendo missões operacionais, é não nos envolvermos demais com os acontecimentos lá de baixo, para que não deixemos de executar algo necessário a segurança do vôo.
Isso realmente pode acontecer e influencia demais as atitudes a serem tomadas pela tripulação como um todo. O envolvimento emocional com a situação em terra pode nos levar a cometer falhas durante uma operação. O fato da vítima está em estado crítico ou por se tratar de uma criança, por exemplo, pode gerar no piloto e na tripulação, uma ansiedade de pousar logo para resolver a situação, o que acaba fazendo com que ele negligencie a segurança, pulando etapas importantes ou passando rapidamente por outras. Isso é uma verdadeira armadilha!
No meu caso, a presença do fio só foi notada na decolagem. Apesar de todos os cuidados relatados acima. Ninguém durante o reconhecimento visualizou a fiação que cruzava a rodovia. A bem da verdade, ela era quase invisível, “imperceptível a olho nu”.
Após o embarque das vítimas, iniciamos os procedimentos para a decolagem. O Piloto, durante esse momento, deve se manter muito atento à presença de fios, e foi isso que o nosso Co-Piloto fez (Graças a Deus!). Mas o que chamou a sua atenção foi um poste ao lado da rodovia. Quando ele percebeu a sua presença, ele buscou visualizar se havia alguma fiação que partia ou chegava nesse poste. Não tem aquele ditado, onde há fumaça há fogo. Então, onde há poste há fio. Ele acabou notando a presença de uma fiação e tentou ver pra que lado ela ia.
A aeronave já estava na decolagem!
Quando ele viu que essa fiação não seguia paralela à via, e sim, que ela cruzava a pista, só deu tempo de dizer:
Olha o Fiiiioooo….oooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A fiação já estava bem a nossa frente.
Instintivamente dei uma cabrada na aeronave e um “gás” de coletivo. Foi o suficiente para ultrapassarmos o maldito fio.
Fomos salvos pelo poste!!!!!
Cada vôo que eu faço e cada missão que eu cumpro, aprendo algo novo. Nesse, descobri que temos que acreditar desconfiando. Jamais acredite nos seus sentidos. Nem sempre conseguiremos ver tudo. Nesse caso, todos nós achávamos que não havia fiação, pois fizemos tudo que tinha de ser feito, mas ela estava lá e por pouco não causou um grande problema.
Imagine se fosse à noite? Certamente não iríamos perceber a fiação.
Portanto, nós que atendemos a centenas de ocorrências todos os anos, de dia e de noite, pousando nos lugares mais improváveis que existem, vamos atentar para o fato que nem sempre vemos o que queremos ver. E o fato de não vermos alguma fiação, não quer dizer que ela não esteja lá. Acredite desacreditando, confie desconfiando. Pois “seguro morreu de velho”.
Sempre acredite na existência de um obstáculo nas proximidades de seu ponto de pouso, se pensar assim, você certamente não vai tomar um susto como eu tomei.
Bons vôos, bons reconhecimentos e pousos e felizes decolagens.