Rio de Janeiro – Com olhos verdes bem abertos, deitado em uma cama hospitalar em seu apartamento, Claudio Cobo assiste em silêncio ao vaivém de técnicos de enfermagem, fisioterapeuta e fonoaudióloga. Uma vez por mês, recebe a visita de um médico. A cada 15 dias, uma enfermeira vai vê-lo. Mas ninguém da equipe médica sabe ao certo seu nível de compreensão do que se passa ao redor desde o dia 2 de maio de 2013, quando o policial civil sofreu um acidente de helicóptero que o transformou para sempre.
Claudio não fala desde então. Não consegue comer sozinho, nem tomar banho, nem se vestir. Há três anos e meio, era forte, pesava 83kg e havia acabado de concluir um curso de piloto. Mudou-se com a mulher, Darlene Vieira, uma filha e duas enteadas para o Recreio — surfista de ondas grandes, queria morar perto do mar. Após o acidente, durante um exercício do Serviço Aeropolicial da Polícia Civil (Saer), no campo de treino do Caju, seu corpo ficou franzino, 20 quilos mais leve. Sua dependência é total. O abandono do estado, também.
— Até hoje não recebemos um real de indenização. O pior de tudo foi descobrir que a seguradora contratada pelo estado (a NOBRE) para os servidores da segurança foi à falência mês passado — afirma Darlene, de 47 anos, mulher de Claudio há 19. — Tive que abandonar minha carreira para cuidar do meu marido, mas contamos com a ajuda de amigos policiais para comprar fraldas. É um leão por dia.
COMUNICAÇÃO COM UM DEDO
Desde a queda de um helicóptero da Polícia Militar, Claudio não tira os olhos da televisão quando o noticiário traz novidades sobre o caso. O que deve pensar? Respondendo “sim” e “não” com o dedo, já mostrou ser capaz de fazer contas e, num exercício de inglês, surpreendeu a todos ao provar que ainda lembra alguma coisa do idioma. Um passo gigantesco para quem, segundo médicos que o atenderam, ficaria para sempre em estado vegetativo.
Mas a falta de recursos o impede de evoluir mais. Claudio deveria fazer um tipo de fisioterapia que estimula todas as áreas do cérebro, afetado em diferentes pontos por uma lesão axonal difusa — ele ficou pendurado pelo cinto enquanto o helicóptero girava, antes de cair. Cada sessão, no entanto, custa quase R$ 300. Colegas da Polícia Civil chegaram a organizar uma campanha de doação, mas o tratamento teve que ser interrompido ainda em 2013.
O descaso vem também do CENIPA, da Aeronáutica, que, agora, está investigando a causa da queda do helicóptero na Cidade de Deus. Até agora o relatório final do acidente de Claudio não ficou pronto. Se não fosse o plano de saúde da empresa de segurança Forseg, onde ele também trabalhava, o policial não estaria recebendo qualquer tipo de assistência — muito menos o home care, conseguido pela família por meio de uma liminar quando a operadora de saúde tentou cancelar o tratamento.
— É uma luta contra o esquecimento — resume o advogado Marcos Costa Borges. — O valor da indenização já havia sido definido. Foi uma longa negociação. Esperávamos a assinatura do contrato quando a empresa faliu.
Procurado, o liquidante da Nobre Seguradora, Pedro Paulo Pereira Mota, não retornou as ligações. A Polícia Civil não se pronunciou. Segundo o presidente do sindicato da corporação (SinPol), Fernando Bandeira, há pelo menos mais 13 policiais na mesma situação de Claudio, à espera de indenização.
— Estou ligando quase todos os dias para marcar uma audiência com o novo chefe de Polícia Civil, Carlos Leba. Não consigo espaço na agenda dele — diz Bandeira. — Nossos companheiros já vivem desprotegidos.
Darlene nunca fez terapia, mas descobriu que precisa se manter forte e, por isso, aprendeu a reservar uma hora por dia para se cuidar — passou a correr no Recreio e medita. Quem a ajuda são as duas filhas, de 24 e 20 anos, que veem Claudio como pai. As duas filhas biológicas do policial se afastaram. Dizem que não aguentam vê-lo na cama.
— Claudio foi muito bom para mim. Sinto saudade do meu marido, meu amigo, meu conselheiro — diz Darlene.
No próximo sábado, ele completará 46 anos. No aniversário do ano passado, policiais do Saer passaram de helicóptero em cima de sua janela. Claudio sorriu.
Fonte: O Globo, por Caio Barreto Briso.