Comissão no Senado do novo Código Brasileiro de Aeronáutica atuou para defender companhias aéreas

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Ricardo Gallo, Folha de São Paulo.

Uma comissão no Senado permitiu que um representante de companhias aéreas revisasse e interferisse na elaboração de um novo Código Brasileiro de Aeronáutica –o que, na prática, resultou em um texto que beneficia os interesses do setor.

Criada por meio de ato do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e formada por 25 especialistas em áreas diversas da aviação, a comissão funcionou entre junho de 2015 e abril último.

O trabalho resultou em um anteprojeto do novo Código Brasileiro de Aeronáutica, que irá tramitar no Senado.

A polêmica começou no final de 2015, quando a relatora da comissão, a advogada Maria Helena Fonseca de Souza Rolim, recebeu dos membros da comissão sugestões de emenda ao código.

Ela decidiu pedir ajuda na compilação das emendas ao advogado Geraldo Ribeiro Vieira -representante da Abear (Associação Brasileira de Empresas Aéreas), entidade que reúne TAM, Gol, Azul e Avianca. (Outro advogado também foi consultado, Ricardo Bernardi, especialista em direito aeronáutico e que atua para companhias aéreas internacionais.)

Vieira, então, passou a propor vetos em temas que contrariavam as empresas e a defender o que lhes interessava, em considerações incorporadas ao anteprojeto.

Por exemplo: 1) como revisor, o representante das empresas aéreas deu parecer favorável para que os passageiros passem a pagar pela tarifa de conexão, custo hoje pago pelas empresas aéreas;

2) vetou proposta do superintendente de regulação econômica da Anac, Ricardo Catanant, órgão responsável pela fiscalização das empresas aéreas. A sugestão vetada autorizava a agência a firmar acordos com órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, para que estes fiscalizassem o cumprimento, pelas empresas, das normas que tratam do direito dos passageiros de avião.

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PROTESTOS

A influência na comissão do advogado ligado às companhias aéreas motivou protestos de representantes da SAC (Secretaria de Aviação Civil) e da Anac, mostram as notas taquigráficas de reunião de 15 de março, quando a proposta final foi debatida.

“Optou-se por colocar, de maneira oportunista determinados dispositivos pontuais no texto”, disse Ronei Glanzmann, diretor da SAC.

Sem citar as empresas aéreas diretamente, ele diz que os textos foram usados por “determinado grupo” para resolver o “que não se conseguiu pelas vias normais, através da Anac, da SAC e do Comando da Aeronáutica”.

Um dos exemplos que o diretor usou foi justamente o da tarifa de conexão, paga hoje pelas companhias mas que, pela proposta, passaria a ser paga pelos passageiros.

“O assunto nem sequer foi comentado nesta comissão (…) e agora no texto vem simplesmente uma intervenção cirúrgica: onde está escrito responsabilidade da companhia aérea pagar a tarifa, corta-se ‘companhia aérea’ e coloca-se ‘passageiro'”.

Na mesma reunião, segundo as notas taquigráficas, Ricardo Catanant, superintendente da Anac, aponta falta de tempo e método para discussão das propostas. Em relação ao conteúdo, vê risco de retrocesso em relação ao código atual, de 1986.

No encontro, José Adriano Castanho, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, também fez críticas semelhantes às do colega.

Apesar dos votos contrários de representantes da SAC e da Anac, entre outros, o texto final foi aprovado pela maioria e agora seguirá para o Senado.

A Anac disse, em nota, que o texto precisa ser submetido a amplo debate de modo a assegurar “transparência e publicidade”.

OUTRO LADO

A advogada Maria Helena Fonseca de Souza Rolim negou que o texto final da comissão criada para criar um novo Código Brasileiro de Aeronáutica tenha refletido apenas os interesses da Abear.

Relatora da comissão, ela diz que todos os membros do grupo tiveram oportunidade de fazer a revisão final do texto.

“Quem não concordou com alguns dispositivos legais apresentou destaque contra o artigo específico e a divergência foi objeto de votação pública”, disse.

O advogado Geraldo Ribeiro Vieira, que representou a Abear na comissão, disse não ter havido favorecimento à associação das empresas.

Afirmou ainda que não houve no texto nenhum dispositivo que contrarie acordos, convenções ou tratados internacionais ou “que assegure às empresas aéreas brasileiras vantagem ou benefícios que as tornem desiguais no direito interno com suas congêneres estrangeiras ou que representam tratamento desigual entre consumidores ou com prejuízo para consumidores brasileiros”.

Vieira declarou também que nenhuma sugestão ou emenda deixou de ser “apreciada, debatida e submetida a votação em plenário”.

O que ajudou a fazer, disse, foi a consolidação das mais de 3.000 sugestões dos membros da comissão, “com eliminação apenas daquelas que continham vícios de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa”.

Ele criticou a ação dos representantes do governo (Secretaria de Aviação Civil, Anac e Infraero), com sugestões de emenda feitas para “manter ou ampliar os mecanismos de intervenção no mercado, em desfavor dos demais agentes e consumidores/usuários”.

“O projeto que encaminhamos para exame do Senado rompe com práticas enraizadas no atual código, de 1986. E isso deve estar incomodando setores corporativos do governo federal”, afirmou.

PADRÕES MUNDIAIS

A Abear informou que os apontamentos de Geraldo Ribeiro Vieira foram apresentados de modo transparente e que o advogado participou da comissão em consequência de “notório saber jurídico”.

“Todas as posições da Abear são no entendimento de que uma revisão do código passa pelo estabelecimento de normas que nos aproximem dos padrões internacionais”, disse a entidade.

Sobre a proposta de que o passageiro passe a pagar pela tarifa de conexão, a Abear disse que a taxa já é cobrada hoje, “apenas não é discriminada para o passageiro”.

Vieira informou que o passageiro não será onerado, porque o valor da passagem já embute os custos de operação de transporte aéreo.

Em relação ao veto dado quanto a eventuais acordos entre Anac e órgãos de defesa do consumidor para fiscalizar o cumprimento das normas de direito dos passageiros, o advogado afirmou que nada impede a Anac de celebrar convênio de fiscalização com qualquer órgão público.

Sobre a proposta de tarifa ambiental, “tarifa corresponde à remuneração por serviço prestado –autorizar cobrança sem contrapartida significa confisco”.

O advogado Georges Ferreira, presidente da comissão, disse que os membros do grupo decidiram pela metodologia. O tempo de duração da comissão, inicialmente de seis meses e depois ampliado para nove, foi considerado suficiente pela assessoria técnico-legislativa do Senado, afirmou.

Cerca de 60% das emendas apresentadas, declarou, foram acatadas.

Ferreira ressaltou que não haverá mudanças até os senadores apreciarem e votem o projeto de lei. Aproveitar as contribuições dos integrantes da comissão significaria, disse, resultaria em uma “política pública mais liberal para o setor de aviação civil, o que colocará o Brasil junto aos seus pares mais avançados no modal do transporte aéreo”.

Fonte: Ricardo Gallo, Folha de São Paulo.

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